O céu é o limite para a Cacau Show
Maior franqueadora do Brasil, com mais de 4,5 mil lojas de chocolates, nos últimos anos a marca tem aberto novas frentes nos ramos do entretenimento e hotelaria
Transformar o ordinário em extraordinário. O lema da Cacau Show diz muito sobre o senso de oportunidade sentido por Alê Costa, fundador da marca. Aos 14 anos, o empresário enxergou potencial no jeito de sua mãe ganhar dinheiro. Vendendo chocolates por catálogos, ele viu, muitas vezes, sua mãe não dar conta de tantos pedidos.
Na Páscoa de 1988, quando Alê estava com 17 anos, decidiu seguir os passos da matriarca e revender ovos de chocolate do mesmo distribuidor que atendia sua mãe há anos. Conseguiu dois mil pedidos e três dias antes de entregá-los, descobriu que o fornecedor não teria como atender a uma demanda tão grande.
Mesmo assim, não desistiu. Conseguiu um empréstimo com o tio - algo equivalente a R$ 500 hoje em dia. Comprou tudo o que precisava, pediu ajuda a uma senhora com experiência em confeitaria e, juntos, produziram e entregaram todas as encomendas. Com o que ganhou, Alê pagou sua ajudante, o que devia ao tio e ainda lucrou R$ 500.
Com esse dinheiro produziu mais chocolate e passou a vender em padarias, onde recebia os pagamentos à vista. E todos os dias fazia a mesma coisa - comprava mais barras, produzia mais trufas e as distribuia nos estabelecimentos. Desse movimento, Alê foi para a primeira loja física da Cacau Show, em Piracicaba, interior paulista, em 2001. No ano seguinte, já tinha aberto 18 lojas. Hoje, são mais de 4,5 mil unidades e muita história.
O momento presente da Cacau Show quase todo mundo conhece. Das trufas à primeira megastore, passando pelo franchising, a companhia foi para além de chocolates, comprou o Playcenter, entrou para o ramo hoteleiro, licenciou seus personagens para uma linha de calçados e, recentemente, lançou um quadro no SBT em que premia revendedores em até R$ 1 milhão - e parece querer sempre mais.
O CACAU...
Falando em chocolates, o que mais chama a atenção é o número de unidades do negócio. Em 2023, a Cacau Show superou varejistas como Carrefour, O Boticário e RD Saúde, segundo o ranking das 300 maiores empresas do varejo, elaborado pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), e se tornou a maior franqueadora do Brasil com mais de 4,5 mil lojas em operação. A meta é chegar ao fim de 2024 faturando R$ 6,5 bilhões com a venda de chocolates. Foram R$ 5,1 bilhões em 2023.
O que explica isso? Experiências intensas e cotidianas e muitas outras estratégias, define Marcos Bedendo, professor de branding e marketing da ESPM. Mas, antes de tudo, o especialista destaca a questão tempo. A Cacau Show levou, por exemplo, 20 anos para chegar a mil lojas e passou a testar a elasticidade da marca apenas nos últimos cinco anos.
"Esse ecossistema não surgiu do dia para noite. Por muitos anos, a empresa foi só chocolate e, agora, é natural que ela comece a se aventurar. Com tanto tempo (36 anos), o padrão normal de uma grande marca é procurar novos mercados para manter o crescimento", diz Bedendo.
Enquanto o mercado de cacau passa por uma crise global, marcada por um aumento significativo nos preços e na dificuldade de suprir a demanda, como fabricante de chocolates, a Cacau Show vai investir R$ 1 bilhão nos próximos anos na compra de fazendas de cacau.
Ao mesmo tempo em que isso acontece, a empresa de Alê Costa não para de criar possibilidades de geração de experiência. Seja pelas lojas físicas, pelo portfólio de produtos que a permite participar desde um almoço corrido no trabalho até os momentos presenteáveis de forma bem ampla, Bedendo explica que a marca tem trabalhado experiências intensas para se portar como uma verdadeira “fábrica de lembranças” em um mercado no qual os produtos em si são pouco diferenciados.
Ainda assim, é preciso cuidado, segundo o especialista. São muitas as possibilidades de extensão de marca, que podem, de fato, criar valor, mas não dá para ser tão agressivo a ponto de começar a vender, por exemplo, calçados como algo permanente.
"Uma collab para criar burburinho e apresentar a marca para novos públicos é super válida. Mas não dá para misturar 'chulé' com chocolate", disse.
... O SHOW
Deixando um pouco de lado o Cacau e falando do lado Show da marca, os últimos anos foram uma avalanche para a companhia. Na última edição do Latam Retail Show, o fundador da empresa detalhou como o atual momento da marca tem contribuído para, de alguma forma, encantar o consumidor.
Nas palavras do empresário, quem compra algo deseja algum tipo de troca, como construir histórias junto com a marca. Por essa razão, ele decidiu comprar o Playcenter. Em fevereiro deste ano, Marcelo Gutglas, de 83 anos, fundador do Grupo Playcenter, vendeu a empresa para a Cacau Show em um negócio de valor não divulgado. Em junho, a primeira unidade remodelada pela fábrica de chocolates foi inaugurada no Grand Plaza Shopping, em Santo André.
O que também carimba essa diversificação de negócios é a entrada da Cacau Show para o ramo hoteleiro. Em 2022, a inauguração do Bendito Cacao Resort, em Campos do Jordão, interior de São Paulo, marcou o primeiro movimento da marca nessa direção. Outro empreendimento é o Bendito Cacao Family Resort, na cidade de Águas de Lindoia, também no interior paulista, onde já funcionou o Hotel Vacance, fechado em 2022.
A estratégia de apostar cada vez mais na venda de experiências para agregar em seu faturamento também é bem sinalizada na loja de fábrica da marca, localizada em Itapevi (SP), onde no último ano a empresa inaugurou uma montanha-russa que chega a virar de ponta-cabeça. No local, há ainda um carrossel e um trem-cinema, com cadeiras que se movem.
Estar alinhado à temática de uma "Fantástica Fábrica de Chocolates", por exemplo, faz muito sentido, na opinião de Bedendo, pois mantém o foco em novos negócios capazes de causar uma sensação nos consumidores.
Fazendo um paralelo com o Hershey Park, um parque de diversão com temática de chocolates localizado na cidade de Hershey, no estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, o professor da ESPM diz ser muito possível aproximar a marca desse tipo de ação. No caso da marca americana de chocolates, o parque é todo decorado seguindo a apresentação das embalagens da marca. Há jogos valendo pelúcias de chocolates Hershey’s e muitos prêmios em chocolates.
Para Bedendo, apesar de o parque ser um espaço icônico, a Hershey's não parece estar muito interessada em ser dona de muitos parques, pois aquilo se trata de um elemento de experiência adicional, e só. "Uma experiência, de fato, deliciosa, com sabor mesmo. Faz total sentido como uma extensão, mas nem tudo são novos negócios", diz.
PERDA DE IDENTIDADE
Em outra associação, ele cita o caso da Nestlé, que começou a sua história em 1867, com a Farinha Láctea como produto único. Tempo depois, passou a ter leite em pó, leite condensado, chocolates e, nesse processo, conseguiu sustentar uma força muito grande ligada à reputação da marca, sobretudo em qualidade, mas ainda assim ligada ao mundo da nutrição láctea.
Na sequência, vieram os biscoitos, produtos culinários, submarcas como a Maggi e outras que bandeiravam o nome Nestlé e, então, naturalmente, a marca foi perdendo as suas características proprietárias associativas, o que, segundo o especialista, faz com que a marca passe a se conectar menos com o consumidor.
Embora ainda seja forte e muito conhecida, Bedendo destaca ser difícil localizar uma qualidade específica da Nestlé que a credencie em uma categoria. Ou seja, trata-se de um endosso que pode trazer qualidade, mas perde em associação exclusiva e essas características, segundo o especialista, desaparecem ainda mais se a marca se estender para categorias mais distantes do seu negócio originial.
"A Cacau Show é, sobretudo, uma empresa sabor chocolate. O importante é estendê-la sem perder essa associação que, na verdade, é a sua maior fortaleza e defesa frente a concorrência", diz.
IMAGENS: divulgação