O Atacarejo não é mais atacado
Temos testemunhado a crescente oferta de serviços e de categorias adicionais com os chamados atacarejo premium ou gourmet, que patrocinam eventos esportivos, promovem sorteios de automóveis, algo que os super e hipermercados sempre fizeram
Quem inventou o atacarejo foi o consumidor. Nos anos 1980, famílias e vizinhos se agrupavam para comprar mercadorias em caixas fechadas, no atacado, e distribuir entre si. Isso fez com que o Makro e alguns outros atacadistas aumentassem suas vendas e, por esse motivo, tornassem suas lojas mais atrativas aos consumidores diretos.
Esse movimento foi tomando corpo, de tal forma que os pequenos comerciantes e os transformadores (hotéis, lanchonetes, restaurantes), começaram a buscar novas formas de abastecimento, pois era bastante constrangedor para o dono da pequena mercearia ou mesmo do supermercado de bairro encontrar, nesses atacados, seus próprios clientes.
De início, até havia uma pequena diferença de preço para quem comprava poucas unidades da mercadoria, e para aquele que comprava uma caixa fechada. Entretanto, com o passar do tempo, passou-se a oferecer aos consumidores o mesmo preço praticado pelo atacado, mediante o pagamento por meio de cartão da própria empresa atacadista. Assim, maiores vantagens e mais serviços passaram a ser oferecidos, o que obrigou o setor a aumentar suas margens, dificultando ainda mais a vida do pequeno comércio, que costumava ser o principal cliente dessas lojas.
Por outro lado, a indústria percebe que esse canal de distribuição aos pequenos comerciantes começava a se deteriorar de tal forma que era preciso buscar novos distribuidores e alternativas para fazer suas marcas chegarem a esses pequenos comércios espalhados por todo o Brasil. Prova disso foi o investimento na criação, no final de 2019, do Compra Agora pela Unilever, pensado para intermediar as compras desses pequenos varejistas, de centenas de marcas, e que deve faturar em 2023 cerca de R$ 6 bilhões.
E não é só da Unilever. O Compra Agora é um super site da B2B, e ocupa o espaço do atacado que, ao longo do tempo, transformou-se em varejo, e que hoje é tratado por atacarejo, e atua conectando distribuidores e os pequenos varejistas.
E o atacarejo caminha para seu final. Temos testemunhado a crescente oferta de serviços e de categorias adicionais, com os chamados atacarejo premium ou atacarejo gourmet, que patrocinam eventos esportivos, promovem sorteios de automóveis, algo que os super e hipermercados sempre fizeram.
Eu diria que os atacarejos buscam hoje ser o que já foram os hipermercados que, no setor alimentar, no início dos anos 1980 e 1990, praticavam margens mais baixas que os atacarejos de hoje praticam.
O modelo de negócio do varejo alimentar que mais cresce no mundo, o discount, que mantém obstinadamente o sortimento bastante reduzido, preços muito baixos e quase ausência de serviços, é prova de que estamos, no Brasil, fazendo o caminho contrário.
Aldi, Lidl e Costo estão entre os 10 maiores varejos do mundo; Aldi e Lidl com lojas pequenas, em média de 400 m2, e no máximo 2000 itens. A Costco tem lojas muito parecidas com nossos atacarejos, que contam com 3.600 itens e não oferecem serviços, mas se mantém firme na determinação principal de preços muito baixos.
Exemplo da mesma disciplina vemos na rede americana Trader Joe’s, pertencente a Aldi que, em 2019, decidiu não mais fazer entregas. A decisão baseou-se na premissa de que são reconhecidos principalmente pelos preços baixos, e o delivery provocava aumento dos custos. A Trader Joe’s decidiu manter sua principal característica e, desde então – e inclusive durante a pandemia –, não entrega compras feitas em suas lojas.
Fica a pensata: qual modelo irá surgir quando o atacarejo definitivamente eliminar o atacado de seu nome? Talvez... um hipermercado malfeito, feioso? Teriam as lojas de atacado já sido extintas?
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