Orelhas de coelho, olhos esbugalhados e sorriso com dentes afiados compõem o Labubu, criado pelo ilustrador Kasing Lung para o livro de contos de fadas nórdicos The Monsters Trilogy (em português, a Trilogia dos Monstros). Na história, o personagem é descrito como um pequeno monstro que, apesar de sua aparência travessa, é bondoso e sempre quer ajudar, mas muitas vezes acaba fazendo o contrário sem querer.
O ilustrador é conhecido por obras que combinam fantasia sombria com traços infantis, como o Labubu, criado em 2015 e que, em 2019, ganhou "vida" em uma parceria com a empresa de brinquedos chinesa Pop Mart e começou a aparecer em vários itens colecionáveis. A primeira série de chaveiros, chamada Exciting Macaron, saiu em outubro de 2023 e esgotou rapidamente.
O Labubu foi criado em 2015 como personagem de história infantil, ganhou versão física em 2019, mas viralizou somente em 2024, até sumir das lojas nas últimas semanas diante da forte procura
Para além da estranheza que a pelúcia causa, pode-se dizer que o público também foi atraído pelo fenômeno das blind boxes, ou seja, caixas surpresas com itens colecionáveis que só revelam seu conteúdo depois de abertas, ganhando diferentes versões, cores e colaborações exclusivas com outras marcas, como Vans e Coca-Cola.
Aos poucos, o Labubu ganhou o status de peça statement, como uma peça de roupa, calçado ou acessório que se destaca no visual, comunicando estilo e afinidade com uma determinada estética. Ela se torna o ponto focal da combinação e expressa personalidade, estilo e informação de moda, tornando o look personalizado. São milhões de postagens com a hashtag #Labubu no TikTok. O lançamento mais recente da Labubu Blind Box, da Pop Mart, a série Labubu the Monsters Big into Energy, lançada há cerca de 15 dias, esgotou no mundo todo.
Dados do Google Trends mostram que, no Brasil, as buscas pelo boneco cresceram, na comparação entre abril e março, incríveis 2.820%. As pessoas pesquisam onde comprar, quanto custa, como viralizou e até roupinhas para o boneco.
Ao redor do mundo, também é tendência. Desde seu lançamento em 2015 (a versão física chegou em 2019), as pesquisas por Labubu atingiram seu ponto mais alto em abril deste ano. Até mesmo as buscas no Google por blind boxes, as caixas surpresa com diferentes formas do personagem, estão em alta nos EUA.
No Brasil, ainda não há lojas oficiais da Pop Mart - a RiHapppy, varejista de brinquedos, tem divulgado o produto, mas na página da loja eles aparecem como indisponíveis. Ainda assim, é possível encontrar o item por meio de revendedores em marketplaces e plataformas como Shopee, Mercado Livre, AliExpress e eBay. A questão, nesses casos, são os inúmeros relatos de produtos falsificados e réplicas apelidadas de Lafufu. Mesmo assim, os preços dos modelos básicos podem variar bastante - a partir de R$ 140 até edições especiais que podem chegar a R$ 1,5 mil.
Já os exemplares raríssimos, vendidos em feiras especializadas na Ásia ou em parcerias limitadas com marcas de luxo, ultrapassam a casa dos R$ 5 mil e normalmente só podem ser adquiridos por meio de sorteios ou em lançamentos exclusivos. Nas redes sociais, há grupos que organizam leilões e revenda das pelúcias. Um modelo que custava R$ 300 no lançamento pode valer mais de R$ 4 mil em poucos meses, dependendo da raridade e do estado de conservação.
Qual é a explicação?
"É puramente moda", define Marcos Bedendo, professor de Branding e Marketing da ESPM, sobre o boom de vendas do produto. Ele destaca que esses modismos já aconteciam no período pré-rede social. Em um dos exemplos, ele cita a pulseira LiveStrong, originalmente lançada pelo ciclista Lance Armstrong. Na época, a pulseira remetia a uma causa social que tinha como objetivo apoiar pessoas afetadas pelo câncer, mas se tornou um viral, sendo falsificada e replicada no mundo todo.
A tendência, segundo Bedendo, é que em pouco tempo a febre termine e o item acabe desaparecendo. Entre cases de sucesso similares, ele destaca os calçados Crocs, que viralizaram ainda em uma época sem redes sociais, foram fortemente replicados e, ainda assim, perduram no radar de consumo desejável.
"As marcas tentam estar presentes nesses movimentos, e as
collabs fazem muito sentido nesse caso, pois se envolvem em um contexto. É tudo muito globalizado, mas acredito que não dure muito", disse.
A designer Camila Rech recorda que não é a primeira vez que uma
obsessão infantil conquista o consumidor adulto. Dos Beanie Baby, dos anos 90, passando pela febre de captura dos Pokémon Go, em 2016, até a ascensão do Barbiecore, em 2023, ao longo da história, os adultos periodicamente retornam à juventude e enlouquecem por personagens de brinquedo.
"A emoção da busca, o senso de nostalgia, escapismo e o senso de comunidade que o Labubu traz podem explicar esse sucesso. Ele (Labubu) e outros toys se tornam um respiro lúdico em meio a um cotidiano pesado", disse.
A especialista explica que, embora tenha causado reações mistas de estranhamento e simpatia nas redes sociais, muita gente se derrete pela aparência inusitada do bichinho. Essa dualidade pode ser considerada um dos charmes da pelúcia, que representa a tendência do ugly-cute, algo que pode ser traduzido como "feio-fofo", conceito que vem crescendo no mercado de luxo e nos de brinquedos colecionáveis.
Labubu não é o único brinquedo que está em alta no momento. Na Selfridges, a fabricante de brinquedos de pelúcia Jellycat é a marca de brinquedos que mais vende. Durante o período de festas de fim de ano em 2024, a varejista vendeu um Jellycat a cada 15 segundos.
Para Alice Neves, especialista em comportamento do consumidor, o endosso de celebridades, o apelo por itens exclusivos de colecionador e a adesão à cultura pop asiática explicam a potência dessa comunidade de fãs ao redor do mundo. "Eles compartilham dicas de compra, customizações e looks dos seus personagens favoritos. Além disso, o Labubu chancela, mais uma vez, o impacto da cultura chinesa no cenário global".
A marca chinesa de moda Pronounce foi a primeira empresa a apostar em uma parceria com o Labubu
A Pronounce, marca de moda fundada por Yushan Li e Zhou Jun, foi a primeira a colaborar com o personagem Labubu. A estreia se deu na coleção de inverno 2024, e foi apresentada na semana de moda masculina de Milão com peças com estampas do rosto icônico do boneco. Inicialmente, a ideia da marca era apenas pintar o cabelo do Labubu de roxo, cor-assinatura da Pronounce, mas a parceria tomou uma proporção inusitada ao se tornar uma coleção licenciada, estendida após o sucesso de vendas.
Sentado na primeira fileira do desfile, o primeiro boneco da collab, em tamanho grande, foi lançado em março de 2024, com um look bem fashionta: touca, suéter bege estampado e macacão roxo de veludo cotelê - tudo bem característico da marca. Após esgotar rapidamente, a marca lançou duas novas versões em setembro - uma com terno moderninho e outra mini, com conjunto de tweed dourado. Os fãs, por sua vez, se interessaram pela produção e passaram a pedir versões sob medida para seus próprios Labubus.
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IMAGENS: Pop Mart/divulgação