Mercosul e UE firmam acordo comercial após 25 anos de negociação
Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, destacou três pontos do acordo: apoio entre as democracias, melhoria econômica para os dois blocos e o compartilhamento de valores
Após 25 anos de negociação, o Mercosul e a União Europeia firmaram acordo comercial. O anúncio foi feito antes da reunião da Cúpula de Presidentes do Mercosul, em Montevidéu, no Uruguai. Em breves pronunciamentos, o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, destacaram as negociações e enfatizaram a importância do tratado.
"Hoje, em Montevidéu, estamos tornando essa visão numa realidade. Estamos fortalecendo essa aliança única como nunca antes. E, fazendo isso, estamos enviando uma mensagem clara e poderosa para o mundo. (...) Este acordo não é apenas uma oportunidade econômica, é uma necessidade política", destacou Von der Leyen.
As declarações foram feitas em pronunciamento à imprensa ao lado de outros chefes de Estado do Mercosul. O presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, reiterou a importância do acordo comercial entre os dois blocos. "Um acordo político não é uma solução, não existem soluções mágicas. É uma oportunidade e cabe a cada um de nós determinar a velocidade que podemos dar a esse acordo", disse.
O discurso mais extenso foi o de Von der Leyen, que enfatizou três pontos principais: apoio entre as democracias, melhoria econômica para os países que participam dos dois blocos e o compartilhamento de valores.
"A União Europeia e o Mercosul criaram uma das alianças de comércio e investimento maiores que o mundo tenha visto. Estamos derrubando barreiras e estamos permitindo que entrem os investimentos. Estamos formando um mercado de mais de 700 milhões de consumidores. E essa aliança vai fortalecer as cadeias de valor, vai desenvolver indústrias estratégicas, vai apoiar a renovação e vai criar trabalhos e valores para ambos lados do Atlântico", disse a representante da UE.
Havia expectativa para o anúncio nesta semana, elevada pela presença de Van der Leyen em Montevidéu. As tratativas para o fechamento do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, que reunirá 700 milhões de consumidores, se estenderam ao longo de 25 anos. As discussões para o tratado tiveram grande avanço em 2019, quando houve um "acordo político", que acabou emperrado pela resistência de diversos países europeus, notadamente a França, que enfatizou as críticas a questões ambientais.
DIRECIONAMENTOS
O Acordo de Parceria entre Mercosul e União Europeia traz 19 capítulos para nortear a relação entre os dois blocos. Entre os pontos abordados estão o comércio de bens, regras de origem, subsídios e comércio e desenvolvimento sustentável. O detalhamento consta em documento divulgado pelo governo sobre o acordo. Veja quais são os principais capítulos do tratado:
Comércio de Bens - Traz um amplo compromisso de liberalização tarifária em setores industriais e agrícolas, respeitando as especificidades de cada mercado. A oferta por parte do Mercosul tem ampla liberalização, com cestas de produtos submetidos a desgravação imediata ou linear ao longo de prazos, que pode ser de 4, 8, 10 e 15 anos. Estão cobertos cerca de 91% dos bens e 85% do valor das importações brasileiras de produtos provenientes da União Europeia. Uma parcela muito reduzida dos bens está sujeita a quotas ou outros tratamentos não tarifários - as exclusões representam cerca 9% dos bens e 8% do valor total das importações.
O setor automotivo teve negociação de condições especiais para veículos eletrificados, movidos a hidrogênio e novas tecnologias, com períodos de desgravação de 18, 25 e 30 anos, respectivamente. A oferta da União Europeia tem um escopo ainda mais abrangente de liberalização, com cestas de produtos que terão desgravação imediata ou linear em prazos de 4, 7, 8, 10 e 12 anos. Os produtos correspondem a cerca de 95% dos bens e 92% do valor das importações europeias de bens brasileiros. Os itens sujeitos a quotas ou tratamentos não tarifários representam cerca de 3% dos bens e 5% do valor importado pela União Europeia, com ênfase a produtos do setor agrícola e da agroindústria.
Regras de Origem - Traz critérios modernos para assegurar fruição dos benefícios comerciais pelas partes, com flexibilidades para setores específicos, como têxteis. Prevê adoção de autocertificação para reduzir custos e burocracias.
Facilitação de Comércio - Reduz custos e simplifica processos relacionados à importação e exportação, com ênfase em transparência, sistemas eletrônicos e reconhecimento mútuo de operadores autorizados.
Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT) - Promove boas práticas regulatórias para evitar barreiras desnecessárias, com incentivo ao uso de padrões internacionais e consultas públicas para mais previsibilidade e integração entre os blocos.
Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS) - Facilita o comércio agropecuário, com transparência e previsibilidade com sistemas como o "pre-listing" e procedimentos de regionalização para produtos de origem animal. O acordo preserva os elevados padrões de produção de alimentos dos dois blocos.
Diálogos - Traz mecanismos de cooperação técnica entre os blocos em temas como bem-estar animal, biotecnologia agrícola e resistência antimicrobiana, incluindo harmonização regulatória.
Defesa Comercial - Reafirma os direitos de aplicação de medidas antidumping e compensatórias conforme as normas da OMC, garantindo proteção contra práticas desleais de comércio.
Salvaguardas Bilaterais - Protege indústrias domésticas de surtos de importação decorrentes da liberalização comercial. Terá um mecanismo específico para o setor automotivo, para preservar e promover investimentos.
Serviços e Investimentos - Amplia a transparência e segurança jurídica para investidores e prestadores de serviços, com respeito à soberania regulatória em áreas sensíveis e também a modernização de regulação.
Compras Governamentais - Garante acesso preferencial ao mercado público europeu para empresas do Mercosul e vice-versa. O Brasil firmou compromissos que consideram o interesse em preservar as políticas públicas de desenvolvimento industrial, saúde pública, tecnologia e inovação, pequenas e médias empresas e pequenos produtores rurais.
Propriedade Intelectual - Consolida padrões internacionais de proteção e reforça o reconhecimento de indicações geográficas, incluindo "Cachaça" e "Canastra", fortalecendo a marca Brasil na Europa. Não há alteração de normas sobre patentes acordadas no âmbito da OMC, demanda importante para a formulação de políticas de saúde no Brasil.
Pequenas e Médias Empresas - Traz ações específicas para facilitar sua integração em cadeias globais, como programas de capacitação, parcerias e participação em licitações públicas.
Defesa da Concorrência - Reafirma o compromisso de combate às práticas anticompetitivas, com cooperação entre autoridades dos blocos para fortalecer instituições regulatórias.
Subsídios - Estabelece regras para garantir transparência e prevenir distorções de mercado.
Empresas Estatais - Equilibra critérios comerciais e objetivos públicos para garantir operação flexível de empresas estatais, visando cumprir funções de interesse nacional.
Comércio e Desenvolvimento Sustentável - Traz novo Anexo reafirmando compromissos multilaterais como o Acordo de Paris e a Agenda 2030. Também traz compromissos para evitar que o argumento ambiental sirva para justificar barreiras desnecessárias ao comércio.
Transparência - Promove boas práticas regulatórias com exigência de consultas públicas, avaliações de impacto e revisão periódica de medidas.
Exceções - Prevê salvaguardas para proteger segurança, saúde, meio ambiente e cultura, permitindo exceções desde que sejam proporcionais e não discriminatórias.
Solução de Controvérsias - Define mecanismos de resolução de disputas, com consultas iniciais e possibilidade de arbitragem, assegurando cumprimento das obrigações. Tem uma seção dedicada à preservação do equilíbrio do acordo, independentemente de violação aos termos acordados.
OPORTUNIDADES
IMAGEM: Valter Campanato/Agência Brasil