Lojas voltam a ser ocupadas no Bom Retiro e no Brás
Hoje, 77 imóveis comerciais estão fechados no Bom Retiro, número que chegou a 190 em julho de 2020, de acordo com a CDL. Há filas de lojistas para entrar na Rua José Paulino
Depois de quase dois anos e meio de pandemia do novo coronavírus, eis que surge uma notícia positiva em regiões tradicionais do comércio de rua de São Paulo.
Placas de “aluga” e “vende” estampadas em imóveis espalhados pelos bairros do Bom Retiro e do Brás e nas redondezas da Rua 25 de março, no centro da cidade, começam a diminuir.
No Bom Retiro, em dez ruas principais do comércio, há neste mês 77 lojas fechadas, de acordo com levantamento da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) do bairro.
Em julho de 2020, este número chegou a 190, o maior do ano e, em maio de 2021, a 181. Antes da pandemia, em fevereiro de 2020, 60 lojas estavam vagas nas dez ruas.
A vacância na região ainda não voltou ao nível pré-pandêmico. Mas, de acordo com a CDL, há ruas, como Aimorés e Carmo Cintra, que não possuem sequer um espaço vago para locação.
Na Rua José Paulino, a mais tradicional do bairro, há 13 lojas para alugar neste mês, número que chegou a 62 em julho de 2020 e a 45 em maio do ano passado.
Na Rua Professor Cesare Lombroso, onde se concentra boa parte dos atacados de roupas, há sete espaços vagos, número que chegou a 21 em maio de 2021.
“Hoje, há fila de clientes para entrar na Rua José Paulino”, afirma Adriana Weizmann, sócia-proprietária da Hai Imóveis, imobiliária especializada no bairro.
Do final do ano passado até agora, de acordo com Adriana, ela concretizou a locação de pelo menos seis pontos somente na José Paulino, em parceria com outras imobiliárias.
A maior procura na região é por imóveis menores, de 100 a 200 metros quadrados, e por aluguéis na faixa de R$ 15 mil a R$ 20 mil por mês.
Até mesmo na Rua Silva Pinto, que chegou a registrar dezenas de lojas fechadas (37 em julho de 2020 e 36 em maio de 2021), e na Rua da Graça, há escassez de imóveis vagos.
Em maio do ano passado, a Rua da Graça, uma das mais afetadas pela pandemia e pela crise econômica enfrentada pelo país, haviam 26 imóveis para alugar. Hoje, 13.
Por ali, de acordo com Adriana, os preços ainda não atingiram o valor de antes da pandemia, mas estão em recuperação. “Tudo depende da ansiedade do proprietário para alugar o imóvel”, diz.
Vale lembrar, de acordo com corretores de imóveis, que a oferta de lojas vagas hoje está restrita a prédios maiores que, neste momento, estão sendo menos demandados.
“Aos poucos, estamos voltando ao nível de vendas e de público de antes da pandemia, e as lojas estão retornando”, afirma Nelson Tranquez, vice-presidente da CDL do Bom Retiro.
Muitos lojistas do bairro, diz ele, trocaram de ponto e buscam equilibrar o ritmo de vendas e a produção ao estoque, agora menor. “A meta é crescer, mas com cuidado”, diz.
BRÁS E RUA 25 DE MARÇO
No Brás e na região da Rua 25 de Março, a situação é semelhante.
“O mercado está aquecido. Por dia, falo com três a quatro clientes novos à procura de imóveis para alugar ou comprar”, diz Rodrigo Mazzini, corretor especializado nessas duas áreas.
Quem fechou loja no início da pandemia, achando que ia voltar para o mesmo lugar pagando menos, afirma ele, se frustrou.
Assim como no Bom Retiro, de acordo com Mazzini, a procura é por imóveis menores, até 200 metros quadrados, que chegam a ter preços até 25% maiores do que antes da pandemia.
Se antes da pandemia o preço do metro quadrado da locação era R$ 20, agora sai por R$ 25, especialmente no caso dos melhores pontos.
Até mesmo nas ruas mais afastadas do burburinho comercial do Brás a procura por imóveis aumentou. Nesses locais a busca é por espaços para estoques.
O que desapareceu nessas regiões de comércio, pelo menos por enquanto, de acordo com corretores, é a cobrança de luvas, o que era uma tradição nessas três regiões.
Donos de imóveis que insistem na cobrança delas estão ficando com os galpões fechados.
AUXÍLIO BRASIL, VOLTA DE EVENTOS
Num momento em que o país registra queda recorde de renda, elevado endividamento das famílias e inflação e juros em alta, o que explica a corrida para reabrir lojas nessas regiões?
“Apesar de condições naturais desfavoráveis ao consumo, de fato, o desempenho do varejo tem sido surpreendentemente positivo nos últimos meses”, afirma Fábio Bentes, economista da CNC (Confederação Nacional do Comércio).
De janeiro a abril, as vendas do varejo no país subiram 2,3% em relação a igual período do ano passado e, em 12 meses, 0,8%.
Em abril, na comparação com março, a alta foi de 0,9%, de acordo com a PMC (Pesquisa Mensal do Comércio), do IBGE.
Este crescimento, diz ele, porém, está baseado em condições artificiais, como o Programa de Auxílio Brasil do governo, a antecipação do 13% salário para aposentados e pensionistas e a liberação de saques do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Tranquez, da CDL, acredita que a volta dos eventos em São Paulo também tem levado mais clientes para as regiões tradicionais do comércio da cidade e, portanto, atraído os lojistas.
OPORTUNIDADE
Thiago Furquim, diretor da rede de franquia Camisaria FMW, especializada em roupas masculinas, que está em expansão, cita ainda outra razão.
Empresas estruturadas que conseguiram sobreviver na pandemia estão agora aproveitando oportunidades em espaços vagos e também de mercado.
“Como o valor das locações diminuiu e também muitas marcas desapareceram, empresas estruturadas passaram a ocupar esses espaços”, afirma.
A FMW, diz ele, é um exemplo. Com 30 franquias espalhadas por São Paulo e interior, a marca abriu no meio da pandemia uma segunda loja na Rua José Paulino.
“No momento de crise, o público começa a procurar produtos mais em conta e com qualidade. Estamos aproveitando este momento. Somos sobreviventes”, diz ele.
A franquia, que já atingiu níveis de vendas de 2019, abriu quatro novas lojas durante a pandemia e tem planos para crescer em cidades paulistas e em outros Estados.
Para Bentes, da CNC, essas regiões de São Paulo, especialmente a região do Brás, podem também estar sendo beneficiadas pelo elevado número de desocupados no país.
Apesar de ter diminuído neste ano, o Brasil ainda possui pouco mais de 11 milhões de pessoas desocupadas, de acordo com levantamento do IBGE.
Para ter alguma renda, diz o economista, desempregados acabam indo para regiões de comércio de rua, como o Brás, para adquirir produtos para revender.
“Isso, geralmente, acontece em momento de pressão inflacionária, o que o país vive agora.”
A pergunta que fica, de acordo com Bentes, é: o que acontece nessas regiões é um fenômeno localizado ou disseminado? “Vamos aguardar.”
No Estado de São Paulo, as vendas do comércio nos primeiros quatro meses do ano cresceram 1,6%, menos, portanto, do que a média do país (2,3%), de acordo com a PMC.
DIMINUIU O PESSIMISMO
O consumidor brasileiro, de qualquer forma, está menos pessimista.
O Índice Nacional de Confiança do Consumidor Brasileiro, elaborado pela PiniOn para a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), registrou 92 pontos em junho, o que representou uma alta de 10,8% sobre igual período de 2021.
O indicador vai de zero a 200 pontos, sendo que menos de 100 revela pessimismo do empresariado e, acima de 100, otimismo.
Para Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da ACSP, o brasileiro está menos pessimista “porque a maior parte da população da classe C possui ocupação formal ou informal, está recuperando a renda que perdeu com a pandemia e ainda pode contar com recursos oriundos do saque do FGTS, da antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas e do Auxílio Brasil”.
IMAGEM: Paulo Pampolin/DC