Lavareda: 'Eleições de 2024 mostraram que é preciso rever o sistema eleitoral'
Para o cientista político, com um pleito no qual influenciadores, dinheiro vivo e até o crime organizado deram o tom, a necessidade de Reforma Política ganha urgência
Os Estados Unidos reforçaram a tendência de avanço dos partidos de direita ao eleger Donald Trump na última terça-feira (05/11). O movimento também se deu por aqui, no “microcosmo” das eleições municipais de 2024, sinalizando não só a formação que deve ser majoritária no Congresso em 2026, mas também o espectro político de quem provavelmente ocupará o Palácio do Planalto.
O balanço do pleito que elegeu prefeitos e vereadores pelo Brasil foi além de ideologias e polarização. Ao contrário, mostrou que é preciso repensar o sistema eleitoral já no curto prazo, mirando a Reforma Política. A avaliação é do cientista político Antônio Lavareda, que participou da reunião mensal do Conselho Político-Social (COPS) da Associação Comercial de São Paulo.
Muito dinheiro vivo circulando nas campanhas, candidatos influencers, agressividade e até uma certa interferência do crime organizado deram o tom em alguns momentos, realidade que passou longe do que deveria ser uma campanha política do processo eleitoral.
“Não é possível que todos os atores envolvidos, sejam eles políticos, organizações e a própria sociedade civil, não reflitam que isso pode se repetir com maior magnitude e gravidade logo ali, em 2026”, alertou Lavareda. Por isso, a Reforma Política precisa ser posta em andamento o quanto antes, para o atual sistema eleitoral ser repensado de forma mais ousada, disse.
O cientista político destacou também a possibilidade de se transitar do atual "presidencialismo esgotado” para uma forma institucional mais viável de organização do poder executivo - como o semipresidencialismo. Isso porque, no sistema atual, ficou claro que se o presidente Lula for reeleito pela quarta vez em 2026, ficará em situação ainda mais minoritária no Congresso.
Hoje, segundo Lavareda, assim como a ex-presidente Dilma Rousseff, o atual presidente tem uma base de apoio mais política e não programática. Ou seja, tem participação do governo, mas sem comungar com pontos essenciais dos programas e propostas dos respectivos partidos.
“De repente, pode-se eleger um Marçal como presidente da República, repetindo o caso totalmente singular de eleição solteira que aconteceu anos atrás com Fernando Collor”, afirmou. “Mas creio que todos vão pensar a respeito de 2024, e o ano que existe para tentar produzir alguma mudança é 2025.”
‘EMPREENDEDORES INDIVIDUAIS, PARTIDOS HIDROPÔNICOS’
Lavareda, que também palestrou logo após o primeiro turno na ACSP, onde apontou a provável formação do Congresso em 2026, disse que, diferentemente de eleições críticas – as municipais, de 2016, e a de presidente, em 2018 -, o recente processo eleitoral foi "normal."
Também houve uma redução expressiva do número de candidaturas, 19,6%, refletindo as mudanças na reforma de 2017. E a desigualdade de gênero foi mantida, com alta de apenas 3,5% nas prefeitas eleitas. Segundo o analista, para chegar a alguma paridade entre mulheres e homens para o executivo municipal, levaremos de 35 a 40 anos.
Lavareda também destacou que nas capitais houve uma “disputa entre forças da direita”, além do poder da incumbência (ou seja, do titular do cargo que busca se reeleger), já que a taxa de reeleição foi a segunda maior da história (80%).
Já a polarização entre esquerda e direita, muito comentada em 2022 e gerando diversos livros baseados em conceitos estrangeiros tropicalizados, segundo ele, chegando a ser nomeada de “polarização calcificada”, mostrou que nesse pleito não houve extremos.
Lavareda destacou que a eleição só foi bipolar em quatro capitais. “Alcançamos 54% das capitais, ou 10%, (com as eleições) vencidas por partidos de direita, 38% de centro e 8% que serão dirigidas pela esquerda.”
Diante disso, mesmo que hoje o PSD, que elegeu quase 900 prefeitos, tenha capilaridade e seja o maior partido do país, isso não é mais evidenciado por conta do modelo de representação política “defeituoso”, afirma.
Hoje há na Câmara, segundo Lavareda, "empreendedores individuais" e partidos "hidropônicos", ou seja, sem raízes na sociedade, além de eleitores que não votaram nos partidos que ganharam, e sim votaram nas pessoas.
“Se perguntarmos se esse eleitor votou no candidato do PSD em Minas, Ceará ou Bahia, e se ele sabe como foi o desempenho nacional do partido, a maioria esmagadora não vai saber. Porque não votou no partido, mas no candidato, e o candidato não usou minimamente o seu tempo de propaganda para falar do seu partido nem mostrar suas bandeiras.”
O cientista político também completou que, se houvesse esse enraizamento, no dia seguinte à eleição “toda imprensa brasileira correria para a casa do Kassab (Gilberto Kassab, presidente do PSD), por exemplo, para perguntar o nome do candidato do partido à presidência da República, pois este teria chances enormes de ganhar a próxima eleição.”
E OS PRESIDENCIÁVEIS?
Em resumo, segundo Lavareda, os efeitos do pleito de outubro último vão se estender no mínimo até 2026, assim como todo esse processo que está sendo vivenciado hoje. Ele também deu um spoiler de quem sairá na frente nas próximas eleições presidenciais.
Do ponto de vista partidário, o presidente Lula saiu enfraquecido, pois o PT elegeu apenas quatro prefeitos e não conseguiu eleger Guilherme Boulos na maior capital do país. “O que não é novidade nem surpresa, pois já sabíamos que ele estava debilitado desde 2022.”
Ciro Gomes, do PDT, o “eterno presidenciável”, segundo Lavareda, só elegeu um prefeito nas cinco maiores cidades do Ceará. "Ele acabou ficando na contramão, e segue desacreditado.”
Eduardo Leite, do quase extinto PSDB, com o desempenho mais “bisonho” dos candidatos no primeiro turno, surpreendentemente ajudou a eleger o candidato do PT em Pelotas (RS). “Mas imediatamente após a eleição o partido disse que ele continua na ‘prateleira dos presidenciáveis.’”
Ratinho Jr. (PSD) conseguiu desbancar a candidata bolsonarista Cristina Graeml em Curitiba com seu candidato no segundo turno, e sua provável candidatura "continua de pé", disse. Assim como Ronaldo Caiado (União Brasil), que ganhou visibilidade como líder em outro campo da direita e se destacou em Goiás com seu candidato, que também venceu um bolsonarista.
Mas é o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) o grande nome para 2026, destacou Lavareda. “Ele foi o responsável e padrinho político central da candidatura à reeleição do prefeito Ricardo Nunes. Isoladamente, ele foi um dos grandes vitoriosos do ponto de vista dos governadores que apoiaram candidatos, e isso deve gerar reflexos em 2026.“
FOTO: César Bruneli/ACSP