José de França, da Abinpet: ‘Governo nos vê só como pagadores de impostos’
Representante da indústria de produtos para animais de estimação, França diz que enfrenta dificuldade para dialogar com o governo sobre os impactos da reforma tributária no setor
Atualmente o Brasil tem 160,9 milhões de pets. Peixes, gatos, cachorros, pássaros, coelhos e roedores, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet). O país é o terceiro maior do mundo em faturamento, com R$ 68,7 bilhões em 2023 (crescimento de 14,2%). Em dólares (US$ 12 bilhões), fica atrás de China (US$ 15 bilhões) e Estados Unidos (US$ 81 bilhões). O mercado global foi de US$ 198 bilhões em 2023.
No mercado interno, as projeções são de que esse volume salte para R$ 77 bilhões este ano (US$ 13,4 bilhões). O setor tem três divisões. Pet vet (produtos e serviços veterinários), pet care (produtos e serviços de higiene, beleza e equipamentos) e pet food (alimentação), que representa 55,5% do total de receitas do segmento.
Segundo José Edson Galvão de França, presidente-executivo da Abinpet, é o nicho de mercado que deve ser mais afetado pela reforma tributária. “O governo é complicado, nos vê apenas como pagadores de impostos. Tem sido difícil estabelecer um diálogo direto com a equipe econômica”, afirmou à Agência de Notícias DC NEWS. Confira a entrevista de França.
DC NEWS – O setor e a Abinpet têm brigado por mudanças na reforma tributária?
José Edson Galvão de França – Temos tentado mostrar os dados do nosso estudo e convencer o governo a nos incluir nos [setores] específicos. O governo é complicado, nos vê apenas como pagadores de impostos. Tem sido difícil estabelecer um diálogo direto com a equipe econômica. E ainda não conseguimos mostrar o estudo diretamente a eles. Estive na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado e falei com o Ministério da Fazenda. Eles ficaram de nos convocar para conversar, mas não está sendo fácil. Porém, no Congresso, estamos sendo bem recebidos, e parece que estão aceitando a nossa tese.
DCN – Qual é essa tese?
França – Quando lemos o artigo que fala sobre ações de suplementos minerais e tal, percebemos que a alíquota de redução de 60% exclui apenas animais domésticos. Eles usam uma terminologia errada, porque suínos e vacas também são domesticados. Mas o que eles querem dizer são os animais de estimação. Até brinquei no Congresso: “É simples, basta excluir a palavra domésticos e todos os animais estarão incluídos”. São pequenas palavras, mas que mexem profundamente com o mercado.
DCN – A reforma não seria positiva?
França – Pode ser boa se vier da forma correta, porque elimina o imposto seletivo (antigo IPI) e nos tira da comparação com bebidas alcoólicas, por exemplo.
DCN – Se não vier da forma como vocês imaginam, qual seria o impacto para o setor?
França – Se a reforma continuar como está, com o setor pagando 26,5%, nós não vamos conseguir créditos das matérias-primas, um dos princípios da reforma. Isso abriria espaço para judicialização, com decisões já favoráveis a não equiparar alimentos para animais de estimação aos de produção, nem ao consumo humano.
DCN – Atualmente, como está a produção de alimentos para animais de estimação?
França – No caso da produção de alimentos para animais, o Brasil é o segundo maior produtor do mundo. Só perde para os Estados Unidos. Temos empresas brasileiras ocupando o topo da lista de produtores. As grandes multinacionais que estão aqui fazem troca de produção com suas fábricas no exterior, mas os produtos mais baratos são feitos aqui. A produção interna está sempre crescendo, acima de 3,5% a 4% ao ano. Durante a pandemia, crescemos 7%, e no ano passado, 12% em volume de produção.
DCN – A produção interna pode aumentar?
França – Sem dúvida. As empresas brasileiras de alimentos, comércio, e serviços veterinários estão preparadas para uma demanda crescente. Temos capacidade de aumentar a produção de 4 milhões para 8 milhões de toneladas. O investimento feito ao longo dos últimos anos colocou a indústria brasileira em um patamar de excelência. As fábricas são modernas e o controle de qualidade é rigoroso, até mais do que no setor de alimentos para humanos. Hoje, exportamos cerca de US$ 520 milhões em produtos, um número significativo. O setor tem condições de crescer ainda mais, e o governo precisa entender que ele pode se tornar um dos maiores do mundo.
DCN – Também estamos exportando mais?
França - Sim. Hoje, o Brasil é um dos dez maiores exportadores de alimentos para animais de estimação no mundo. Somos responsáveis por 70% das exportações para a América Latina e Central, invertendo a participação que antes era dominada pelos Estados Unidos. Nossa qualidade é reconhecida e nossos produtos são competitivos em preço e qualidade.
DCN – Como você vê o futuro do Brasil no mercado global de alimentos para animais?
França – Estamos crescendo, e isso é visível nos números. O Brasil já é o terceiro maior mercado global em faturamento, perdendo apenas para os Estados Unidos e a China. Temos mais de 160 milhões de animais de estimação, o que nos coloca entre os maiores mercados do mundo. Se conseguirmos manter esse ritmo de crescimento, podemos nos aproximar ainda mais dos Estados Unidos. Eles ainda produzem três vezes mais que nós, mas o Brasil tem potencial para aumentar essa produção e crescer em faturamento global.
DCN – Quais são os desafios que o setor ainda enfrenta em relação à competitividade no mercado externo?
França - Um dos maiores desafios é o custo da matéria-prima, que impacta diretamente o preço do produto final. Temos de importar alguns insumos, o que aumenta os custos, principalmente com a variação cambial. Além disso, a carga tributária no Brasil ainda é alta. Outro ponto é a logística. Temos uma geografia muito ampla e isso encarece o transporte dos produtos, tanto no mercado interno quanto na exportação. Esses são desafios que precisam ser enfrentados para que o setor continue competitivo globalmente.
DCN – Em quais pontos temos vantagem?
França - Olha, acredito que o Brasil tem tudo para se transformar e se fixar como um dos maiores players do mundo, pelo menos em alguns segmentos, como a produção de alimentos para animais de estimação. A China nunca vai superar a gente em termos de matéria-prima, e podemos ser o segundo no mundo, se não o primeiro. Em relação ao número de animais, hoje estamos atrás dos Estados Unidos, mas temos condições de ficar muito próximos deles por causa da nossa taxa de presença de animais em lares, que é 1,8 por residência, de acordo com dados do IBGE. Nos Estados Unidos, é um pouco menor. Então, analisando os números, vemos que o potencial está nas nossas mãos.
IMAGEM: Waldemir Barreto/Agência Senado