Foco no caixa e tecnologias dão o tom do varejo em 2023
Mais: modelos padronizados de redes devem ser substituídos por lojas integradas às comunidades e comércio de usados ganha força, assim como as flagships e pop-up stores, como a da Diesel (foto)
O maior evento de varejo do mundo, a NRF 2023 Retail´s Big Show, que acontece de 14 a 17 deste mês, em Nova York, nos EUA, sempre aguça a curiosidade de empresários do setor.
Qual será o tom do evento, quais são os cases de lojas que servem de inspiração para o Brasil, tanto no modelo de negócio como na forma de lidar com os clientes e as equipes de vendas?
Tanto se fala em uso de inteligência artificial aplicada nos atendimentos, nas operações de lojas. O que vem por aí quando o tema envolve as novas tecnologias para o varejo?
Com as malas quase prontas para embarcar para os Estados Unidos, consultores de varejo consultados pelo Diário do Comércio dão pistas sobre as tendências para o setor em 2023.
QUEBRA DE PADRÕES
Camila Salek, especialista em varejo, que vai liderar um grupo de 50 lojistas na NRF, destaca como uma das principais tendências do setor o desapego de modelos padronizados de lojas.
“Nos últimos anos, o varejista escolhia um modelo de expansão, padronizava as lojas e multiplicava sem se preocupar com geolocalização. Isso deve mudar”, diz.
Os modelos de crescimento das redes, de acordo com ela, deverão considerar muito mais o entorno, as comunidades, e os produtos tenderão a ser adaptados aos locais.
“Vamos imaginar uma loja da Nike. Até o estoque pode ser regionalizado, voltado para o perfil do praticante de esporte, da região onde a loja está instalada.”
Camila, fundadora da Vimer, acredita numa virada do varejo com a quebra de regras tradicionais.
A loja da Diesel, da 5ª Avenida, em Nova York, que está na agenda para ser visitada por seu grupo, é exemplo de marca que derrubou norma.
Os jeans da loja não são mais diferenciados em feminino e masculino. São para ambos os gêneros. “Essa é uma grande novidade”, afirma.
É tradição no varejo abrir flagship store, loja que permite ao cliente ter uma experiência de compra em um ambiente diferenciado, em espaços amplamente remodelados.
A marca espanhola Mango quebrou a regra, diz ela, e abriu uma loja de 2.100 metros quadrados na 5ª Avenida, reutilizando 70% da construção que existia.
“Espera aí, destruir tudo por quê? Essa loja foi uma espécie de tapa na cara de muitos varejistas. E 42% do faturamento da Mango vem do on-line”, diz.
Um complexo revitalizado durante a pandemia na Rua 36, no bairro do Brooklyn, em Nova York, revela tendência de unir escritórios, lojas, espaços criativos de olho na vizinhança.
“É uma comunidade de troca interessante. Marcas com projetos especiais, com outlets, estão preocupadas com o entorno, um público que gosta de design e não quer pagar caro.”
PRODUTOS USADOS
O comércio de usados também é tendência, e não somente de roupas, mas de produtos eletroeletrônicos, reforçando a questão da economia circular.
Gustavo Carrer, gerente de desenvolvimento de negócios da Inwave, empresa de tecnologia para o varejo, cita como exemplo da força dos usados a The RealReal Inc.
Fundada em 2011, com sede em São Francisco (CA), a loja, que vende roupas consignadas, joias, relógios, obras de arte e artigos para decoração on-line e off-line, “está bombando”.
A força da economia circular, assim como a inflação provocada pela pandemia, de acordo com Carrer, levou a Macy´s, rede de lojas fundada em 1858, em Nova York, a vender roupas usadas.
A varejista também criou o que chama de Macy´s Backstage, espaço em suas lojas para vender roupas, bolsas, brinquedos, utilidades domésticas, produtos de beleza com preços menores.
A empresa informou em 2022 que pretende expandir os Backstage em todo o país. “Os clientes poderão fazer compras de luxo a preços baixos, tudo sob o mesmo teto”, declarou.
LOJAS MENORES
No mundo e aqui no Brasil, diz Carrer, a tendência é de as empresas abrirem lojas menores.
A Target, fundada em 1902, a segunda maior rede de lojas de departamento dos Estados Unidos, atrás do Walmart, seguiu este caminho.
Das 30 novas lojas que abriu em 2020, 29 tinham um formato menor.
A Barnes & Noble é outro exemplo. Abriu 16 novas lojas em 2022 e planeja abrir outras 30 neste ano também em formatos menores, incluindo uma flaship em Nova York.
No Brasil, diz Carrer, a mesma tendência é vista, principalmente em supermercados. As redes Pão de Açúcar Minuto e Oxxo, empresa mexicana controlada pela FEMSA, são exemplos.
“Grandes marcas estão lançando lojas menores, aplicando o conceito de varejo de vizinhança. O que o cliente não encontra, a loja manda entregar em casa.”
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
O uso de inteligência artificial aplicada no atendimento e na operação de lojas também tende a crescer, assim como o uso de self checkouts, máquinas que permitem que o cliente registre os produtos e pague pela compra, sem o auxílio de operadores de caixa.
“Os self checkouts devem aumentar muito em redes de supermercados e também em outros setores, como farmácias e empresas de alimentação”, diz Carrer.
Com o padrão 5G para redes móveis e banda larga, de acordo com ele, as tecnologias ligadas à operação de loja tendem a ficar mais automatizadas.
“Assim, os lojistas conseguem controlar abertura e fechamento de loja, iluminação, segurança, comportamento de clientes e gerar sugestões para melhorar o sortimento e as vendas.”
Para Carrer, os lojistas precisam se espelhar mais nos raciocínios industriais para melhorar processos e buscar eficiência.
“O que dá para ser automatizado, o que dá para centralizar em uma rede? Será que preciso ir até uma loja para ver se o ar condicionado está ligado? Não consigo ver isso à distância?”
BACK TO BASIC
Para Luís Lobão, consultor de varejo, esses assuntos citados acima são tendência, mas chama a atenção o fato que os temas Metaverso (mundo virtual) e ESG, conjunto de boas práticas de uma empresa no campo social, ambiental e de governança, não serem foco da NRF deste ano.
“A agenda da NRF deste ano está mais pragmática, na linha back to basic, o que revela a necessidade de organizações do varejo, especialmente nos EUA, de priorizar o caixa, até porque não estão acostumadas a lidar com inflação alta”, diz.
Para ele, a ideia de criar experiências para o cliente continua firme no sentido de aumentar a fidelidade e o engajamento por meio da redução de atritos na jornada de compra.
A inovação, de acordo com Lobão, está mais ligada à melhora de processos que deem resultados em curto prazo.
“O fundamento do varejo é simples, você atrai fluxo para loja, aumenta a taxa de conversão, o tíquete médio e, por fim, a recompra, que é a fidelidade do cliente”, diz.
Ainda no campo da fidelização dos consumidores, o que se vê cada vez mais em lojas dos Estados Unidos, diz ele, é a ideia de membership (filiação).
O cliente faz um cadastro na loja e tem acesso a serviços personalizados.
Na Nike, diz Lobão, o consumidor tem a chance de antecipar por encomenda a compra de lançamentos.
Na Chanel perfumes, por meio de uma assinatura anual, o consumidor passa a ser convidado para eventos, experimentar produtos e tem descontos que atingem o valor da anuidade.
VAREJO POPULAR
Para Marcos Hirai, os Estados Unidos e o Brasil têm realidades distintas. A NRF, diz ele, é focada no mercado norte-americano, apesar de ser inspiração para o varejo brasileiro.
Para ele, o que deve ocorrer no Brasil neste ano é o fortalecimento do varejo popular, com o Bolsa Família e os programas do novo governo voltados para a geração de emprego.
“Esta é uma discussão que não existe nos Estados Unidos, mas que se aplica ao Brasil.”
O assunto tecnologia é muito importante nos EUA, diz ele, porque há falta de pessoas para trabalhar no varejo, o que exige uso intenso de automação nos pontos-de-venda.
“Não é nem uma questão de omnicanalidade, mas, sim, para compensar a falta de pessoas, um problema gigantesco. A automação é fundamental para as redes se manterem abertas.”
No Brasil, diz Hirai, há hoje uma preocupação maior do varejista com a mão de obra, que passou a ser tão importante quanto o cliente, seguindo as práticas ESG.
EXPERIÊNCIA
Ricardo Pastore, coordenador e professor do Núcleo de Varejo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), diz que a ida para a NRF com seu grupo tem um foco definido.
“Vamos olhar o varejo pela ótica da experiência, que coloca o cliente no centro. Site, aplicativo, loja física têm de ser colocados para os clientes.”
Se melhorar a experiência, reduzindo os atritos na jornada de compra, diz ele, o negócio dá resultado, pois o cliente retorna, aumenta a fidelidade e, como consequência, as vendas.
IMAGEM: Diesel/divulgação