Eles transformaram um curtume em uma marca global
Como o casal Mario e Monalisa Spaniol fez de uma marca de calçados do interior, a Carmen Steffens, uma cobiçada grife com 560 lojas em 20 países

Entre as marcas que celebridades como Madonna e Paris Hilton compartilham, uma é brasileira.
Resultado de uma intensa estratégia de marketing e internacionalização, a Carmen Steffens tem lugar cativo no closet de famosas nacionais e internacionais.
Quando uma delas elege determinado calçado para ir a uma festa ou noite de gala, a marca conquista novas consumidoras e, portanto, multiplica seu valor.
Em 25 anos, Mario Spaniol, 62 anos, fundador da Carmen Steffens conseguiu aquilo que empresários ainda mais experientes estão longe de alcançar. São 560 lojas em 20 países, 47 anos de carreira e um faturamento anual que ultrapassa R$ 1,2 bilhão.
Durante o recente 6º Fórum de Varejo Regional promovido pela Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic), Spaniol contou, em entrevista ao Diário do Comércio, como se tornou um dos líderes de um mercado que movimenta mais de R$ 21 bilhões a cada ano. No Brasil, a Carmen Steffens só perde em faturamento para a Arezzo.

COMO TUDO COMEÇOU
Natural da gaúcha São Sebastião do Caí, Spaniol se mudou para Nova Hamburgo, aos 12 anos e começou a trabalhar aos 15, como office boy em uma fábrica de malas.
Durante o tempo em que trabalhou na empresa, o gaúcho passava muito tempo na sala do presidente da companhia com quem aprendeu tudo sobre administração e como negociar.
Cinco anos mais tarde, usou o dinheiro da venda de uma casa que ganhou do pai para abrir sua própria empresa -uma espécie de representação comercial de máquinas e produtos químicos para a indústria de couro. Três anos depois, em 1983, transferiu-se para Franca, no interior paulista, para montar uma filial.
Lá, mediou a venda de um curtume e, como pagamento, recebeu algumas máquinas. Com elas, montou outra empresa -a Couroquímica –um curtume, que viria a produzir matéria-prima para sua marca e outras reluzentes, como Hugo Boss e Timberland. O negócio ia muito bem, mas, segundo o empresário, ele era o único que sabia disso. “Era frustrante”, diz.
Na visão de Spaniol, a única maneira de se tornar conhecido seria vendendo o para consumidor final. Dez anos depois, resolveu arriscar. Desembarcou na Itália com o desejo de conhecer fábricas de gigantes, como Gucci e Prada. De pronto, observou que no Brasil tudo era feito em grandes quantidades e sem nenhuma exclusividade. Aprendeu também sobre processo de criação e estratégia de distribuição.
Ao regressar ao país, abriu e batizou o negócio de Carmen Steffens, nome de sua mãe. O plano era produzir bolsas e sapatos sofisticados em pequenos volumes a partir de um sistema inspirado na alemã BMW, pelo qual qualquer série de carro pode ser feita na mesma linha de montagem. Spaniol produz 800 bolsas de cada modelo destinadas a 19 países, enquanto a rival Michael Kors produz um milhão de peças do mesmo modelo.

IDENTIDADE DA MARCA
Foram cinco anos e quase U$ 5 milhões para chegar ao formato em que a fábrica funciona até hoje. Em 1995, com a produção a todo vapor, Spaniol estava se preparando para expor em sua primeira feira especializada, quando decidiu pedir a opinião da esposa Monalisa sobre a coleção.
Sem rodeios, ela disse que não compraria nenhum daqueles pares e que dificilmente, alguém se interessaria pelas peças. Não deu outra. De volta a Franca, o empresário pediu para que ela criasse uma linha de sapatos para a próxima coleção.
Enquanto o estilista contratado pela marca criou 18 novos pares, Monalisa criou apenas seis que misturavam cores, texturas e materiais. E mais de 70% das peças vendidas foram criadas por Monalisa.
A partir de 1996, ela passou a comandar a área de identidade visual da Carmen Steffens com a ajuda de outros seis estilistas. No mesmo ano, eles abriram duas lojas -uma em Franca e outra em Uberaba e a expansão foi acontecendo. Em cinco anos, eles já haviam aberto 50 lojas.
A exclusividade que Spaniol tanto valoriza é apontada pelo empresário como o grande diferencial da empresa. Cada calçado atinge um limite máximo de 2,5 mil pares -levando em consideração que serão distribuídos por 20 países -,uma espécie de edição limitada.
CRESCIMENTO
Com a marca de sapatos bem estabelecida, em 2008, Spaniol agregou outra marca ao grupo: a Raphael Steffens, uma linha de roupas masculinas. Em 2013, incluiu no portfólio a Maison CS com roupas femininas. E assim, a indústria de Spaniol se tornou gigante.
Além das 560 lojas e seis unidades fabris em quatro cidades, a Couroquímica está entre os seis fornecedores mundiais que atendem à fabricante de automóveis Hyundai.
De acordo com o empresário, as unidades produz em média 10 mil pares de sapatos por dia ainda no esquema copiado dos italianos - uma pequena produção de cada modelo aliada a uma grande diversificação de produtos. Para tanto, os comandos das máquinas precisam ser alterados com frequência. E isso exige funcionários ágeis que dominem todas as fases da cadeia fabril.
"O resultado dessa combinação são peças variadas e mais exclusivas".
ENGAJAMENTO
Outra preocupação do empresário é o engajamento dos quase 4 mil funcionários, que ele tenta manter com um espírito de coletividade. Spaniol criou o que ele chama de “seguro-catástrofe”, uma ajuda financeira para empregados que têm algum gasto inesperado de alto valor.

Um dos exemplos citados pelo empresário é a história de uma auxiliar de produção, submetida a uma cirurgia nos olhos que custou R$ 30 mil. Metade do valor foi dividido entre os colegas e o restante foi completado por Spaniol. "A ação é incentivada por todos, que contribuem satisfeitos, pois se sentem seguros", diz.
Outra ação motivacional são as tardes de sexta-feira livres para os operários. Spaniol se inspirou na indústria alemã, onde essa prática é comum.
INTERNACIONALIZAÇÃO
O plano de internacionalização da marca, que sempre foi o maior sonho de Spaniol, começou em 2000 e custou caro para o empresário, que cinco anos depois apostou no franchising como estratégia de crescimento internacional.
A presença da Carmen Steffens em cidades como Las Vegas, Miami e Hollywood, onde o mercado de luxo é muito influente foi fundamental para difundir a marca mundo afora. Uma sandália da marca custa em média R$ 450, podendo custar mais de R$ 1 mil.
Com uma loja em Cannes, na França, Spaniol ainda se planeja para invadir as prateleiras italianas. Ainda sem data definida, a expansão deve ter início pelo sul da Itália, onde o turismo é forte e o clima é mais ameno – mais favorável ao consumo de sandálias.
“Em Roma, é tudo muito caro, os imóveis são tombados e é tudo muito complicado. Além disso, tem seis meses de frio intenso, em que não se vende um par de sapato”, diz.
“Nossa coleção, por exemplo, nunca irá dar certo com o frio do Canadá. No máximo, entraremos numa loja de departamento, loja própria nem pensar”.
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