DaSelva renova quarteirão do Centro de SP com comida amazônica

Empreitada dos sócios Yanna Freitas (foto) e Jorge Mojica teve investimento próprio de R$ 1,5 milhão e dá destaque a pequenos produtores. Negócio vai ganhar segunda unidade na região dos Jardins em 2025

Mariana Missiaggia
30/Dez/2024
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DaSelva renova quarteirão do Centro de SP com comida amazônica

Farinha de uarini, tambaqui e pimenta murupi são alimentos típicos da culinária amazônica raramente encontrados nas prateleiras de um supermercado - pelo menos, nos de São Paulo. Ainda assim, muitos desses ingredientes típicos e das técnicas ancestrais da região ganharam destaque nos últimos anos dentro de restaurantes estrelados.

Na capital paulista, a região central tem o seu representante: o DaSelva. Fundado há um ano e meio na rua da Consolação, a poucos metros do Shopping Light e bem em frente à Biblioteca Mário de Andrade, o restaurante divide a mesma calçada com garagens de estacionamento, um hotel, um banco e outros prédios comerciais. A maior parte deles com fachadas antigas, um tanto desgastadas e que ficam abertas, na maioria dos casos, apenas de segunda a sexta.

Já a frente do DaSelva tem outra dinâmica. Com cores bem vivas (verde e laranja) e um entra e sai constante, há dias em que a porta do empreendimento permanece aberta das 8h às 22h, como aos sábados, quando quase todos os seus vizinhos não funcionam.

"Trouxemos vida para uma quadra que estava um tanto esquecida. Além do entra e sai, aos finais de semana, costumamos ter um tempo médio de uma hora na fila de espera. Temos os curiosos e os que já se fidelizaram, e isso traz vida e descobertas para o Centro", diz Yanna Freitas, sócia-proprietária do DaSelva.

O DaSelva recebe cerca de 450 pessoas por fim de semana para servir pratos à base de peixes Pirarucu e Tambaqui com frutas, como cupuaçu, bacuri e taperebá

 

Ao lado do sócio Jorge Mojica, Yanna investiu capital próprio de R$ 1,5 milhão no DaSelva e passou alguns meses visitando possíveis pontos de locação para abrir o restaurante antes de encontrar o espaço no térreo do Edifício Estamparia. A despeito da ideia marginalizada que alguns têm do Centro, a empresária diz só ter visto oportunidades no imóvel que trazia uma série de afinidades com o projeto da dupla, que atuava no setor de importação e exportação em Manaus (AM).

Para não deixar dúvidas àqueles que se mostram reticentes com a região, Yanna diz fazer um trabalho intenso nas redes sociais mostrando o quanto o Centro de São Paulo é movimentado, seguro e policiado, além de garantir outros detalhes, como um convênio com o estacionamento ao lado e segurança particular no local.

A diversidade da região, o fácil acesso, o boom dos retrofits, o preço do aluguel, o movimento de revitalização, a sinergia com outros negócios, além da localização e a inserção do DaSelva em um roteiro gastronômico atualmente muito valorizado, que inclui a Casa do Porco, Dona Onça, Famiglia Mancini e Esther Rooftop, são alguns dos destaques que Yanna dá ao local.

Quando ela e o sócio apostaram no espaço, encontraram um valor de locação cerca de 50% menor que o cobrado atualmente no entorno, por conta da recente valorização da região. De acordo com Yanna, o custo inicial de R$ 6 mil sofreu algum reajuste desde então, mas está longe da média cobrada. O salão comporta até 70 pessoas e conta ainda com um mezanino.

Vizinha do Copan e da Galeria Metrópole, a empresária diz se aproveitar do fluxo de turistas e visitantes desses cartões-postais que também costumam realizar eventos e trazer nova clientela ao DaSelva com certa frequência. O restaurante, que tem culinária típica amazonense, recebe cerca de 450 pessoas por fim de semana para servir pratos à base de peixes Pirarucu e Tambaqui com frutas, como cupuaçu, bacuri e taperebá.

Com muitas opções de pratos para compartilhar, Yanna diz ter parcerias com escritórios e a Prefeitura de São Paulo, além de oferecer serviço de catering e fechar a casa para eventos. Com tíquete médio entre R$ 90 e R$ 120, com bebida, há opções de pratos executivos por R$ 49,90 e 69,90 durante a semana, com caldinho de peixe de cortesia.

No cardápio, a estrela é a Banda de Tambaqui que, no tamanho grande, para três pessoas, sai por R$ 150. Sem espinhas, assada e com a pele crocante, o prato, favorito dos amazonenses, segundo Yanna, é servido com farinha de mandioca original da Amazônia, banana-da-terra assada, baião, vinagrete e molho de pimenta murupi com tucupi. Entre os aperitivos estão o caldo de tambaqui, bolinho de tambaqui na farinha uarini, ceviche de pirarucu e salada de feijão manteiguinha.

A estrela do restaurante é a Banda de Tambaqui, que serve até três pessoas 

 

Com um bar aberto para a calçada, o DaSelva também propõe a oferta de drinks clássicos para quem passa por ali ou guarda o seu lugar na fila. Com ingredientes amazônicos que podem ser novidade para o público em geral, Yanna diz que foi preciso encontrar um equilíbrio entre manter a autenticidade das receitas amazônicas e adaptá-las para o paladar paulistano. Um exemplo é o uso de pimenta e coentro em muitos pratos, que foi reduzido para dosar a intensidade de sabores mais marcantes. 

Nas palavras de Yanna, o trabalho do DaSelva é um tributo à região Amazônica, às identidades cabocla e ribeirinha, suas lendas e mitos. A proposta é que o ambiente remeta a uma Amazônia contemporânea, porém, longe de clichês e muito raiz. 

"O propósito é fomentar o acesso de consumidores no Brasil e no mundo a alimentos amazônicos regenerativos. Tem delivery de salmão no interior de Rondônia, mas não tem oferta de comida amazônica em São Paulo. Por que isso?".

Por essa razão, os sócios escolhem a dedo seus fornecedores, pensando em contribuir para a economia local na Amazônia ao gerar uma demanda para um mercado em crescimento em São Paulo. A ideia é, também, num futuro próximo, poder ser a ponte entre essa variedade de produtos da Amazônia e outras operações de restaurantes especializados, e até no fornecimento desses produtos para o varejo.

Com o limite de eficiência do Da Selva, o jeito que Yanna e Jorge encontraram para crescer foi abrir uma segunda unidade. O local escolhido foi a região dos Jardins, que terá 100 lugares e deve ser inaugurado até junho de 2025.

MERCADO

Em 2023, Manaus foi o único destino brasileiro escalado como um dos melhores do mundo pelo jornal The New York Times. A cidade ficou em 41° lugar, especialmente pela força da culinária amazônica.

O texto destaca a originalidade de Manaus diante do restante do país, quando o assunto são os exóticos ingredientes locais - e cita o restaurante Biatuwi, com culinária de origem indígena, além do Banzeiro e o Moquém do Banzeiro, do chef Felipe Schaedler.

Schaedler, Thiago Castanho e Saulo Jennings são os chefs que viraram vitrine da cozinha amazônica para além dos limites do estado e que têm tornado esses sabores acessíveis para o mercado nacional e de outros países. O desafio, porém, vai muito além do reconhecimento desses negócios - é preciso gerar desenvolvimento e entender o impacto nas comunidades locais.

Em seus relatos, os cozinheiros apontam dificuldades de acesso aos ingredientes, ainda muito restritos e onerosos. Muitos fornecedores trabalham na informalidade e têm pouco preparo para atuar de forma profissional para atender prazos e padronizações que o setor de restaurantes demanda.

Entre famílias ribeirinhas, associações e cooperativas, alguns pequenos produtores fazem de forma caseira o que muitas marcas reconhecidas não fazem - prezando por qualidade. Entre ingredientes de matéria-prima, como jambu e tucupi, e os "produtos criativos", como geleias e farinhas, há um nome importante por ter ampliado a comercialização desses itens da Amazônia, tanto para o consumidor final como para os profissionais de cozinha. Há dez anos, Joanna Martins, fundadora da foodtech Manioca, tenta tornar os alimentos de origem amazônica mais populares.

Tucupi amarelo da foodtech Manioca, que em 2023 recebeu investimentos da Ajinomoto do Brasil

 

Joanna, ao lado de seu sócio Paulo Reis, fez a marca conquistar, no último ano, investimentos da subsidiária brasileira da multinacional japonesa de temperos Ajinomoto. A inspiração de Joanna veio de um negócio familiar, o restaurante Lá em Casa, fundado por sua mãe e que funcionou por 47 anos em Belém (até 2021). Seu pai foi um dos chefs de cozinha responsáveis por difundir a culinária amazônica entre cozinheiros de outras regiões.

Por muitos anos, o restaurante revendeu os produtos que utilizava nas receitas para outros restaurantes, como farofa, geleia de pimenta e o Tucupi. Com a morte do pai, em 2010, Joanna passou a cuidar desses envios que o pai fazia como um favor para seus conhecidos e entendeu que toda aquela operação de revenda poderia se transformar em um negócio à parte - e assim nasceu o Manioca.

No início, a curadoria feita pela dupla era voltada para a gastronomia profissional, mas eles já tinham a visão de que os ingredientes amazônicos precisavam romper essa "bolha”. Aos poucos, foram dando os primeiros passos no varejo. A primeira grande marca de supermercados a vender os produtos foi o Pão de Açúcar, em 2017.

Em novembro de 2023, a Manioca recebeu investimentos da Ajinomoto do Brasil, dona de marcas de caldos e temperos, como Sazón. O Tucupi, principal produto da Manioca, despertou a identificação com a Ajinomoto pelo sabor umami – nem doce, nem salgado, azedo ou amargo, mas que provoca prolongamento do paladar na língua e aumento da salivação. Esta é a base do principal produto da empresa japonesa, o aminoácido glutamato de sódio, utilizado como realçador de sabor para os alimentos. 

A intenção é fazer com que a parceria impulsione a distribuição e divulgação do portfólio da Manioca, além do aprendizado com a expertise de produção e comercialização em escala - já que a falta de conhecimento técnico básico é um grande problema na Amazônia. Hoje, 20 pessoas trabalham na foodtech, entre os sócios, funcionários e estagiários.

Representante do Acre na lista de restaurantes em São Paulo, a chef Amanda Vasconcelos, do Sobrado Tucupi e Casa Tucupi, na Bela Vista, diz ter sentido um interesse crescente nessa temática nos últimos dez anos. Ao destacar o aumento na exportação de açaí, cupuaçu e castanha do Brasil, especialmente para os Estados Unidos e Europa, ela aponta os chefs de cozinha como o maior público consumidor.

Em seus restaurantes, a maior parte das receitas é típica e Amanda faz questão de indicar aos clientes que as criações variam de acordo com a sazonalidade. Ela aproveita para educá-los sobre isso. O mesmo ainda precisa acontecer com os donos de restaurantes, que, segundo a chef, se abrem pouco para os elementos culinários de sua terra. Além disso, ela também destaca que a logística (muito cara) ainda trava o potencial dos produtos amazônicos no Brasil e mundo afora.

"Cada vez mais pessoas querem comer de forma sustentável e saudável e isso tem tudo a ver com os sabores da floresta, mas ainda estamos restritos ao tucupi e tambaqui. A Amazônia é muito mais do que essa lista de produtos que chegou a São Paulo", diz.

 

IMAGENS: divulgação

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