Como a Natura estabeleceu um novo padrão de reputação para as empresas
Ana Beatriz Costa, vice-presidente da companhia, detalha a narrativa poderosa da marca que sustenta há décadas uma conexão emocional difícil de ser ignorada pelo consumidor

Há dez anos, a Natura lidera o ranking Merco, como a marca com melhor reputação corporativa do Brasil. Neste ano, foi a 10ª vez consecutiva que a empresa ocupou o primeiro lugar. No ano passado, a companhia foi a única brasileira reconhecida pela pesquisa "Sustainability Leaders 2024", da GlobeScan, como uma das três empresas mais sustentáveis do planeta.
A marca incorporou em seu discurso temáticas de práticas sustentáveis, responsabilidade social e uma conexão profunda com suas raízes brasileiras. Para Ana Beatriz Costa, vice-presidente de Reputação, Sustentabilidade, Jurídico e Assuntos Corporativos da Natura, esses aspectos criam um dos ativos mais valiosos da marca: uma narrativa poderosa e uma conexão emocional muito valorizada pelo consumidor, que está cada vez mais consciente.
Com um plano de transição climática para zerar suas emissões de carbono até 2030, a empresa já é carbono neutro desde 2007. O compromisso, segundo Ana Beatriz, antecipa em duas décadas as metas estabelecidas no Acordo de Paris e ilustra bem a estratégia da companhia para aumentar a resiliência frente às mudanças do clima e a regeneração do meio ambiente.
Esse e outros movimentos da Natura estabeleceram um novo padrão de reputação para as empresas, mostrando que é possível operar de maneira responsável, sendo ainda bem-sucedida e lucrativa. Em entrevista ao Diário do Comércio, durante a quarta edição do Women Entrepreneur Forum (WeForum), em Belo Horizonte, a vice-presidente da Natura fala das ações da companhia ao longo de seus 55 anos de existência. Veja a seguir:
Diário do Comércio - A Natura é um modelo de responsabilidade social e práticas sustentáveis. Poderia falar um pouco sobre o processo de reputação da Natura?
Ana Beatriz Costa - Vejo como um reflexo de uma empresa que sempre buscou ser consistente e coerente. Gosto de falar dessa abordagem holística que temos nos negócios e dessa estratégia que vai muito além de simplesmente vender produtos de beleza. Dentro dessa filosofia de negócios, a marca incorporou como seus pilares de posicionamento as temáticas de práticas sustentáveis, responsabilidade social e uma conexão profunda com suas raízes brasileiras. Esses aspectos são valiosos, por isso, temos uma narrativa poderosa, bem simbiótica, menos transacional e uma conexão emocional com o mercado.
Ainda assim, manter a liderança é um desafio enorme, pois o mercado é dinâmico e complexo. Por isso, nossas práticas precisam ser sempre atualizadas de acordo com as novas necessidades do negócio e das expectativas do setor. Nossos valores são bem sedimentados e fazem parte de nosso plano de ação com métricas e avaliações contínuas de impacto.
E como vocês transmitem isso para o consumidor no dia a dia?
Os clientes estão mais conscientes e cobram das marcas vários posicionamentos. Por isso, a consistência e a coerência entre o que é divulgado e a realidade diária dos negócios fazem diferença na construção de credibilidade. No nosso caso, são 55 anos.
Mostramos em atitudes que a responsabilidade corporativa é intrínseca à filosofia empresarial da Natura. Fazer além do mínimo esperado e falar sobre isso também ajuda na percepção do público. Afinal, é o olhar do outro que constrói uma reputação.
A Natura foi pioneira no mercado brasileiro ao integrar as suas métricas financeiras com as de impacto e de retorno que gera ao meio ambiente e à sociedade. Como se dá essa metodologia?
A ausência de algo externo nos levou a uma metodologia interna que solucionasse esse tema. Partimos da ideia de que temos que medir para gerenciar. Essa jornada começou em 2016, buscando esmiuçar o impacto ambiental da cadeia de fornecimento do óleo de palma, um ingrediente importante para produtos da Natura. E, ao longo dos últimos anos, criamos uma metodologia para mensurar em valores financeiros nosso impacto social e ambiental ao longo de toda a cadeia.
O chamado IP&L (Integrated Profit & Loss) leva em consideração três dimensões onde gera impacto e é impactada: capital humano, capital social e capital natural. Uma quarta, capital cultural, está sendo estudada para ser incorporada à análise. E isso nos trouxe um dado interessante: o quanto recebemos e o quanto devolvemos.
O material divulgado em 2024 (com dados de 2023) apurou que a cada R$ 1 de receita, proporcionamos um impacto socioambiental positivo de R$ 2,70. Em 2021, o cenário era outro: para cada R$ 1 de receita da marca, a empresa gerou R$ 1,50 em benefícios para a sociedade.
Com essa metodologia em mãos, queremos divulgá-la o máximo possível para ajudar outras empresas a evoluírem nesse processo e mudar esse padrão. Hoje, o desafio que abraçamos consiste em gerar um impacto socioambiental positivo mensurável de R$ 4 para cada R$ 1 de receita para toda a unidade de negócios.
A Natura sustenta um discurso de salário digno. Você poderia falar um pouco sobre como isso é calculado?
Nesse ponto, trabalhamos para que as comunidades das quais fazemos parte também cresçam no índice de progresso social. Isso, entendendo o custo de vida de cada região. A partir desse ponto, já dá para notar que não se trata de uma questão puramente econômica. Entendemos que precisamos ir além de uma relação de compra e venda com as consultoras, mas sim ajudá-las a melhorar o seu negócio, aumentar a sua renda.
Nosso cálculo considera 15 variáveis: onde o funcionário estudou; quanto tempo estudou; quanto tempo de experiência ele tem e quanto tempo está naquela posição... Não falamos mais, por exemplo, sobre salário mínimo, o conceito vai muito além disso, é sobre renda digna. É uma questão de evolução de mentalidade.
Nesse sentido, alguns indicadores externos nos ajudam nessa metodologia. Utilizamos, por exemplo, dados da Wage Indicator Foundation, uma organização social que calcula a renda digna em mais de 140 países. Os dados disponíveis mostravam, por exemplo, que, em 2023, considerando a região de São Paulo, o mínimo que uma pessoa precisaria ganhar para ter uma qualidade de vida decente girava em torno de R$ 2,6 mil, valor consideravelmente acima do salário mínimo da época, que estava em torno de R$ 1,3 mil.
IMAGEM: WeForum/divulgação