‘Com o pacote, o risco é ter a despesa garantida, mas não a receita’

O economista José Roberto Mendonça de Barros considerou fracas as medidas de corte de gastos do governo e disse que, de tudo o que foi colocado à mesa, apenas o aumento da faixa de isenção do IR, que na prática pressiona o orçamento, tem garantia de sair, pois será feito por via administrativa

Karina Lignelli
29/Nov/2024
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 ‘Com o pacote, o risco é ter a despesa garantida, mas não a receita’

O pacote de corte de gastos, anunciado na última quinta-feira (28) pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad, prevê economia de até R$ 327 bilhões entre 2025 e 2030 com medidas como um pente-fino em programas sociais, revisão de benefícios a militares e tributação de, no mínimo, 10% sobre a renda de quem ganha acima de R$ 50 mil por mês. As iniciativas do governo, que em sua maioria dependem do Congresso para sair do papel, não empolgaram empresários nem economistas.

Um dos pontos mais criticados foi o anúncio, junto com o pacotes de cortes, de uma desoneração, a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, medida que deve valer a partir de 2026 e que, na prática, acaba pressionando em vez de aliviar o orçamento.

"O governo perdeu a chance de promover um ajuste fiscal positivo e estratégico por um tático de curto prazo, misturando isenção do Imposto de Renda só para dar uma notícia boa. Mas é uma manchete que se esvai no mesmo dia", afirmou o economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, que esteve na Associação Comercial de São Paulo (ACSP) na quinta-feira, mesmo dia do anúncio do governo. 

Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 1995 e 1998, Barros disse que o pacote não é bom porque, enquanto o aumento na isenção do IR é feito por via administrativa, a criação de um imposto efetivo para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês depende de lei. "Com o pacote corremos o risco de ter a despesa garantida, mas não ter a receita", alertou. 

Em conversa com o Diário do Comércio, o economista analisou os impactos do aumento da faixa de isenção do IR nos negócios de um Microempreendedor Individual (MEI) e se essa medida poderia diminuir a desigualdade tributária mencionada pelo governo.

Em sua avaliação, em alguma medida, sim, já que muitos MEIs têm receitas que não superam os R$ 5 mil mensais, ou R$ 60 mil por ano. Vale lembrar que o teto de faturamento anual para atuar como microempreendedor individual é de R$ 81 mil.

"Porém, o efeito dessa isenção sobre a desigualdade é relativamente pequeno, tem que ter mais do que isso: o crescimento da oferta de trabalho, de educação, esse tipo de coisa. O IR sozinho não é nada extraordinário. É claro que quem terá menos imposto a pagar ficará aliviado no dia a dia dos negócios e vai gostar. Mas não é uma questão-chave para reduzir a desigualdade", reforçou Barros. 

Se os efeitos do pacote não serão sentidos no curto prazo, a compensação entre quem vai pagar menos (isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil) e quem vai pagar mais (aumento do IR para quem recebe acima de R$ 50 mil mensais) mostra sua inconsistência: de um lado, reduz imposto, que é um tipo de gasto, do outro, aumenta. "O momento atual mostra claramente a necessidade de diminuir esse gasto, porque gastou-se demais no período recente. O déficit aumentou e agora o governo não tem como financiar isso."

NÃO EMPOLGOU

Marcel Solimeo, economista-chefe da ACSP, também destacou que o pacote não despertou entusiasmo, pois não veio na linha do que se esperava, que era o foco maior no corte de gastos. A preocupação de Solimeo é que as medidas possam implicar em maior tributação. 

"É um pacote que criou expectativa e não cumpriu, afetando a credibilidade do governo. Ele tem inconsistências claras, como aumentar o limite de isenção do Imposto de Renda no momento em que é preciso conter o consumo. Não tem como funcionar e o agravante é tentar compensar em cima da classe média empresarial", diz o economista da ACSP.

A Confederação Nacional do Comércio (CNC) apontou efeitos que devem impactar o empresariado, como a inclusão de tributação de dividendos sem a respectiva redução da tributação sobre as empresas - o que configura bitributação e deve afetar drasticamente a capacidade do setor produtivo de gerar riquezas.

"A atual tributação sobre a renda e o lucro no Brasil já seguem a lógica de tributar o resultado da empresa e isentar proventos e dividendos pagos aos acionistas", afirmou a entidade em nota. 

A confederação também disse reconhecer a importância de revisar a dinâmica de reajuste do salário mínimo, bem como de outros benefícios sociais, como o BPC e o Abono Salarial, para "garantir o amparo aos mais necessitados." Mas enxerga com preocupação a ampliação da isenção do IR, dado o peso que essa medida terá sobre o quadro fiscal brasileiro, "tornando todo o esforço do pacote fiscal praticamente inócuo".

A CNC destacou ainda que a economia estimada pelo governo de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, ou de R$ 327 bilhões em cinco anos, é insuficiente diante do cenário de déficits primários crônicos que, segundo as projeções do mercado, podem alcançar 0,7% do PIB nos próximos três anos.

"É crucial que o Brasil busque uma plena coordenação entre as políticas fiscal e monetária, garantindo um cenário de médio e longo prazo estável e previsível, o que permitirá a redução dos juros e da inflação, fatores que atualmente sufocam o setor produtivo e os consumidores", completou a confederação. 

DESACELERAÇÃO NO RADAR

Para Mendonça de Barros, o que interessa nesse momento é o que vai acontecer com a economia nos próximos dois anos e, por isso, o ideal seria que o governo não fizesse um anúncio do ponto de vista político, mas pensando em como enfrentar a pressão inflacionária e a questão fiscal para a economia crescer firmemente até 2026. 

"Esse deveria ser o centro da política econômica para buscar o grau de investimento de volta. Foi um anúncio atrapalhado, recebido de mau-humor pela imprensa e o mercado, e o preço pago pelo governo pelo desgaste não será pequeno."

O efeito inicial foi imediato, com a disparada do dólar, que chegou a bater R$ 6,01 na quinta-feira, encerrando o dia em R$ 5,99, patamar histórico desde o início da circulação do real, em 1994. A alta da moeda de 3,36% na semana já indicava qual era a expectativa do mercado com o pacote. Adiado em um mês, o anúncio do pacote causou instabilidade e aumentou a volatilidade do câmbio, já pressionado pelas políticas protecionistas de Donald Trump e tensões no Oriente Médio. 

"Se esse pacote tivesse saído em agosto, quando o dólar estava em R$ 5,60, poderia voltar para R$ 5,40. Mas ficou nessa novela de 'hoje vai, hoje não vai', até ele chegar aos R$ 5,80, R$ 5,99. Quanto mais demora, menos credibilidade, e o efeito do pacote vai ficando cada vez menor. Ou seja, foi um tiro no pé", disse Barros. 

Com isso, o desgaste para o governo não será pequeno, com um câmbio que piorou e a inflação acima de 4%. Segundo o economista, essa perspectiva pode levar o Banco Central a aumentar mais intensamente os juros, em até 0,75%. 

"Nós, economistas, erramos nessas projeções de virada de ano, subestimamos o crescimento há três anos", admitiu Barros, que arrisca dizer que desta vez há certeza de forte desaceleração da economia para o próximo ano. "Hoje, a renda das famílias está boa, assim como a oferta de crédito. Mas a pressão inflacionária não vai ser razoável e a questão fiscal é uma decisão de um regime presidencialista para atender as suas bases, espalhar bondades, e não um movimento estratégico para retomar a trajetória de crescimento."

O economista também destacou que o pacote só será aprovado em 2025 se não houver nenhuma "armadilha" do Congresso para implementação a partir de 2026.

"O pacote não segura a inflação e em algum momento serão tomadas medidas adicionais. Lula não chegará na próxima eleição com a inflação controlada, o que sempre foi determinante para o presidente se reeleger." 

Barros também comentou sobre a possível queda no poder de compra em 2025. Segundo ele, o corte de gastos no curto prazo deve reduzir a renda de algumas das pessoas, diminuindo a atividade. "Se o orçamento for mais equilibrado, os juros podem ser muito mais baixos. É através dos juros, que afetam todas as empresas, que se consegue a sustentabilidade no crescimento da economia."

Para o economista, a queda no desemprego deve desacelerar no próximo ano, com os juros subindo muito, afetando o crédito para as empresas, e com a inflação reduzindo o poder de compra da população. Ele reforça que o foco do pacote deveria ser a redução do déficit público.

"Mas a mensagem do governo é contraditória: não se pode falar em corte, nem gastos, só em readequação. Mas a população não é boba, vai entender que o efeito vai ser ruim", disse.

 

IMAGEM: César Bruneli/ACSP

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