Boa gestão e marmitas: a receita que tirou o Matsuri to Go da crise

Após quase vê-lo falir, Raphael Koyama (com as sócias, a noiva Clara, à dir. na foto, e a amiga Fernanda), fez o restaurante de comida japonesa dos pais renascer em meio à pandemia com visão 'de engenheiro' nas finanças, delivery e franchising. Projeção é faturar R$ 35 milhões em 2023

Karina Lignelli
08/Set/2023
  • btn-whatsapp
Boa gestão e marmitas: a receita que tirou o Matsuri to Go da crise

"Matsuri", em japonês, significa festival. E, no caso do restaurante criado em 2003 pelos empreendedores Cláudio e Emiko Koyama, o nome remete a um "festival" de pratos e boa comida japonesa que levaram o estabelecimento a ganhar, por oito anos consecutivos, o prêmio Top Nikkey (que reconhece as marcas mais lembradas pela comunidade nipo-brasileira do Paraná). 

Mas quem diria: a experiência de co-criação da startup Ecofood para reduzir o desperdício de alimentos, inspirada no dia a dia do Matsuri, foi o caminho para o filho do casal, o engenheiro civil Raphael Koyama, 27, ganhar bagagem em gestão. E, de quebra, salvar a empresa da falência iminente. 

Esse foi o ponto de virada para a Matsuri to Go (algo como 'Matsuri para viagem'), hoje uma rede de franquias de delivery de comida japonesa. Nascida da reinvenção do negócio familiar pelo filho a partir da entrega de marmitas em 2020, a empresa se livrou das dívidas e conseguiu faturar R$ 16 mihões em 2022.

Com uma espécie de reengenharia financeira, Raphael, hoje CEO, conseguiu reestruturar as finanças degrau a degrau com ajuda do delivery, que depois se aperfeiçoou contando com ajuda de duas sócias e colegas de profissão - a engenheira civil Maria Clara Rocha, 28, noiva de Raphael, e a engenheira química Maria Fernanda Canizares, 27, amiga de ensino fundamental e ex-sócia na Ecofood.

Assim, a marca criada pelo casal Koyama, que operava com três lojas, renasceu sob a nova identidade. O sucesso da empreitada levou a voos maiores, como a expansão pelo franchising. Hoje, a rede prevê encerrar 2023 com 18 unidades, sendo a maioria espalhada pelo Paraná, em cidades como Curitiba e Toledo, e começou a desbravar São Paulo pelo Interior, a partir de Jundiaí, em agosto último.

Mas nem sempre foi assim. O grande movimento de clientes e a reputação conquistada pelo restaurante em Londrina e região ("a melhor comida japonesa da cidade"), não impediram que o restaurante ficasse próximo à bancarrota, lembra Raphael. E isso em plena pandemia, já que, assim como muitos empreendedores, pelos indicadores da época seus pais tinham apenas 28 dias de caixa. E só.

"Eles eram bons de cozinha e atendimento, mas não entendiam de gestão", conta. "E essa não é uma realidade só dos meus pais: feliz ou infelizmente, o empreendedorismo no Brasil é questão de sobrevivência, e quando eles abriram o Matsuri, foi pela oportunidade de sustentar a familia."

Por nunca ter demonstrado interesse por empreender, como eles, Raphael foi trabalhar na sua área. Mas pediu demissão de uma construtora em sua cidade, Londrina, onde ficou de 2013 a 2018, para criar e investir com amigos em uma startup. Assim, nasceu a Ecofood, de venda de comida excedente a preços acessíveis, e com parte do valor doado à ONG Banco de Alimentos.

Até ser chamado, em janeiro de 2020, para uma reunião de emergência em família, e informado do tamanho do problema: a dívida da empresa, estimada em R$ 1 milhão. Raphael acabou rapidamente com o dilema: desistiu da startup para ajudar a resolver, ou pelo menos minimizar o pesadelo financeiro em que se encontravam os pais. Mesmo sem nunca ter se envolvido no negócio familiar.   

"(A startup) Nem existe mais, mas foi o caminho para chegar até hoje", confirma. “Por mais que a gente esteja no Brasil, a cultura da autocobrança nos influencia muito como descendentes de japoneses. Foi preciso tomar uma atitude rápida", lembra, já que o pai estava à beira da depressão profunda. 

A ESTRATÉGIA DAS MARMITAS

“A gente vai ter muito trabalho, mas vamos pagar”, pensou Raphael, com sua visão de engenheiro. Porém, poucos dias depois, aprofundando-se na caótica situação financeira dos três Matsuri, descobriu um rombo bem maior: R$ 5 milhões. "Vendemos o apartamento e o carro para amortizar a dívida", conta. 

A chegada da pandemia foi a tal "tempestade perfeita", no jargão dos economistas, e a família Koyama desativou os três restaurantes com as contas no vermelho. 

Com a reengenharia financeira de Raphael, que constatou que a perda média dos estabelecimentos era de R$ 50 mil por mês, decidiu em família buscar empréstimos com seu ex-patrão e amigos para honrar dívidas mais urgentes, e não deixar mais de 50 funcionários nem fornecedores na mão. 

Pegaram R$ 250 mil, mas o dinheiro ia embora rapidamente. Em abril de 2020, o filho projetou as finanças 30 dias à frente e percebeu que, se não encontrasse alternativa, só sobrariam R$ 10 mil. Mas, apesar da aflição dos pais, seu raciocínio "de exatas" encontrou uma solução. 

A princípio, pensou em comprar tudo em mantimentos para a família sobreviver até as coisas melhorarem, e até a mudar para a casa de parentes, em Maringá. 

Mas, refletindo sobre uma frase da mãe, que mesmo abalada sempre repetia que "desistir não era uma opção", teve uma ideia melhor: vender marmitas de "comida brasileira" para entrega, em tempos de isolamento social, aos moradores do prédio em que moravam. 

Conversou com o síndico, e assim fechou parceria para entregar comida "sem contato e até o meio dia". Surgia o embrião do "to go", ou o delivery do Matsuri, em junho de 2020.  

Cláudio e Emiko e seus troféus: marca mais lembrada da comunidade nipo-brasileira (Foto: Arquivo Pessoal)


Mesmo passando dias difíceis e comendo o que sobrava do restaurante no período mais crítico, finalmente desocuparam o antigo apartamento, que havia sido vendido, e conseguiram pagar o aluguel de uma casa, dividindo espaço com o novo Matsuri, que operava no andar térreo. Também compraram mil embalagens de delivery, e até pagaram para fazer um vídeo e divulgar o novo modelo de negócio.

"Por isso é bom sair do emprego de portas abertas com o ex-chefe: (o empréstimo) era um dinheiro sem expectativa de volta, mas conseguimos pagar todos eles."

Em 2020, no primeiro ano sob a gestão de Raphael, e com a operação apenas em sua cidade original, Londrina, o faturamento do Matsuri to Go foi de R$ 1,6 milhão. Em 2021, com unidades inauguradas em Arapongas, Apucarana e Ibiporã, as receitas do empreendimento quase bateram em R$ 6 milhões.

No ano passado, com operações em Maringá, Umuarama, Campo Mourão, Cambé e Cascavel, além de uma unidade de contêiner, em Apucarana, o montante chegou aos já citados R$ 16 milhões.

Tudo graças ao trabalho realizado em família. "Sempre vi meus pais empreendedores saindo cedo para trabalhar e voltar quando eu já estava dormindo. Eles podem não ter sido bons gestores, mas nunca tiveram preguiça", conta Raphael, que aprendeu a lição à risca.  

REVIRAVOLTA 'ENGENHOSA' e CUIDADO NOS DETALHES

Com um ticket médio de R$ 82, a Matsuri to Go já quitou boa parte dos compromissos. O plano é zerar a dívida remanescente, que hoje está em torno de R$ 1,5 milhão, até 2025.

A família continua trabalhando unida, claro, e os pais voltaram a se animar. A mãe, Emiko, cuida da criação de novos produtos e do treinamento de funcionários. Já o pai, Cláudio, recuperado da depressão, virou auditor de qualidade, cuidando da organização das cozinhas e do fornecimento.

“Ele se curou quando abrimos a segunda loja, em Arapongas, porque sentiu a energia empreendedora de novo, e as pessoas agradecendo pelo produto que a gente estava entregando na cidade."

Para 2023, com as novas lojas que devem ser inauguradas até dezembro, a estimativa é de atingir um faturamento entre R$ 35 e R$ 38 milhões. Até o momento, todas as operações são no modelo delivery e take away (para levar), mas em outubro a ideia é a reabertura de uma loja física em frente ao principal ponto turístico de Londrina, o Lago Igapó. A meta é expandir o modelo em 2024. 

Mas, primeiro, Raphael lembra que é importante estruturar bem e organizar tudo para não arriscar muito, fazendo uma ou duas inaugurações por mês para chegar ao fim do ano com 36 lojas delivery.

"Já a expansão presencial é diferente: se der certo em Londrina, pensamos em outra frente de negócios do Matsuri no modelo mas como rodizio", conta. "Também enxergamos oportunidades do to go, que é escalável, em cidades até 70 mil habitantes, onde o modelo performa bem", completa, lembrando que a rede negocia com outras regiões do Interior de São Paulo, Santa Catarina e Mato Grosso. 

Além do aprendizado de que, em momentos críticos é importante procurar ajuda de "quem entende", como advogados tributaristas, empresariais ou trabalhistas, Raphael destaca que os processos e controles desenvolvidos pelo trio de engenheiros à frente do negócio - ele, Maria Clara e Maria Fernanda - foram vitais para a consolidação do empreendimento em três anos.

“Quem olha o Matsuri hoje acha que talvez seja muito mais uma empresa de engenharia e tecnologia do que um restaurante, pelos controles que a gente faz e tudo que a gente monitora.”

Além da boa comida, a rede investe nos detalhes para reforçar o relacionamento com os clientes, como embalagens com mensagens positivas. Ou uma playlist do Spotify, criada pelos jovens sócios, com a trilha sonora do restaurante, disponível na caixinha por QR Code. Já a comunicação via redes sociais foi uma boa ferramenta para a recuperação do Matsuri, que tem mais de 37 mil seguidores no Instagram.

Os empreendedores até lançaram, em abril de 2022, por iniciativa de Maria Clara, a marca Mok the Poke, que oferece a iguaria de origem havaiana preparada com peixe cru no modelo dark kitchen. 

Já Maria Fernanda, que responde pelas áreas de gestão de equipe e suprimentos, foi essencial para que o Matsuri to Go conseguisse escalar o negócio sem perder qualidade, afirma.

“Como ela é engenheira química, já vinha com know-how da indústria”, conta Raphael. “Então é ela quem direciona nossa cozinha central, que produz os insumos padronizados da rede.” 

Puxando a sardinha para sua área, Raphael reforça que a Engenharia foi a principal responsável pela reviravolta bem-sucedida na história do Matsuri. 

“Estudei cinco anos para ser engenheiro civil, mas se ficasse pensando nisso não faria nada", diz. "Então, deixei o ego de lado e entendi que ser engenheiro é resolver problemas difíceis de forma lógica. E esse foi o problema mais feliz da minha vida."

FOTO: Divulgação

O Diário do Comércio permite a cópia e republicação deste conteúdo acompanhado do link original desta página.
Para mais detalhes, nosso contato é [email protected] .

Store in Store

Carga Pesada

Vídeos

Conversamos com Thaís Carballal, da Mooui, às vésperas da abertura de sua primeira loja física

Conversamos com Thaís Carballal, da Mooui, às vésperas da abertura de sua primeira loja física

Entenda a importância de planejar a sucessão na empresa

Especialistas projetam cenários para o pós-eleições municipais