Atacarejo vive nova onda de expansão e se espalha pelo interior
Dezenas de redes de supermercados investem no formato. Há mercado para tantas lojas? Há quem diga que este será um mercado de ‘rouba monte’
Crise econômica, desemprego, uma combinação que, naturalmente, leva as famílias a cortar gastos, ou por pura necessidade ou simplesmente por precaução.
É neste ambiente que um formato de loja que une duas formas de vendas, o atacado e o varejo, o chamado atacarejo, cresce numa velocidade sequer imaginada no país.
Um indicador deste forte crescimento foi identificado pela Fast Ariam, uma das maiores fabricantes de equipamentos para o setor supermercadista do país.
A demanda por checkouts, mobiliário para a disposição de gôndolas e equipamentos para refrigeração aumentou cerca de 40% nos últimos 24 meses.
A corrida para a aquisição de todo esse maquinário, de acordo com a Fast Ariam, é, principalmente, para dar conta da abertura de novas lojas no formato de atacarejo.
“Com a queda de renda, é natural que as pessoas procurem canais mais em conta. O que vemos, nos últimos anos, é uma aceleração do crescimento dos atacarejos”, afirma Valdevir Guerra, diretor-geral da Fast Ariam.
Com estruturas mais simples e foco em produtos básicos, o atacarejo (cash & carry, em inglês), consegue vender com preços 15% menores do que os dos supermercados.
Para as famílias, em tempo de crise, essa é uma economia que faz toda a diferença no orçamento, assim como abrir mão de lojas mais confortáveis.
“Estamos vivendo a segunda geração dos atacarejos no Brasil, com formatos menores, mais investimento em visual, pisos, decoração e tecnologias que, normalmente, só se viam nos supermercados”, afirma Guerra.
Há pouco menos de dez anos, as redes Makro, que chegou ao país na década de 70, Assaí, do Grupo Casino, e Atacadão, do grupo Carrefour, eram as que atendiam as famílias em busca de produtos básicos e preços baixos.
Hoje, de acordo com a ABAAS (Associação Brasileira dos Atacadistas de Autosserviço), o setor de atacarejo conta com quase 1.400 lojas tocadas por 151 operadoras.
O faturamento anual do setor é da ordem de R$ 130 bilhões. No ano passado, a receita das empresas cresceu 27,6%, em média, na comparação com 2019.
O QUE VEM POR AÍ
Neste momento, dezenas de redes estão em fase de remodelação, construção e inauguração de novas lojas no formato de atacarejo em várias regiões do país.
A competição entre elas passou a ser tão acirrada que, muitas delas, preferem guardar segredo sobre a localização de novos endereços até a data da inauguração.
Com 18 lojas (14 atacarejos e 4 supermercados), uma das maiores redes do país, a Tonin, se prepara para abrir mais sete lojas de atacarejo nos próximos meses.
O sucesso dos atacarejos, de acordo com Daniel Asp Souza, gerente da Nielsen, tem levado até empresas tradicionais de supermercados a abrir lojas neste formato.
A rede Irmãos Lopes, de Guarulhos (SP), converteu três de suas lojas na bandeira Raiz. A Giassi, de Santa Catarina, está abrindo lojas com a bandeira Combo.
A Muffato, do Paraná, está expandindo lojas de atacarejo (Max Atacadista), assim como a Super BH, de Minas Gerais.
O Grupo Super Nosso, de Minas Gerais, está crescendo com a bandeira Apoio Mineiro.
A rede Koch, de Santa Catarina, com a Komprão. E a Comercial Zaffari, do Rio Grande do Sul, com a Stok.
“Os brasileiros estão cada vez mais conscientes na hora de comprar, processo que está sendo reforçado com a pandemia”, diz Marcos Cezar Cattani, gerente da Tonin.
Este movimento já tinha sido identificado nas crises de 2015 e 2016, com a alta do desemprego e da inflação, e se intensificou com a pandemia.
Com 36 lojas no Estado de São Paulo, uma das mais tradicionais redes de São Paulo, a Roldão, também está crescendo. Inaugura mais quatro lojas até o final do ano.
“O setor atacadista tem de ter escala para ser competitivo, não pode parar de crescer”, afirma Ricardo Roldão, CEO da rede.
Conforme a crise fica mais crítica, diz ele, aumenta a clientela.
“Os consumidores tiveram de racionar o dinheiro e o apelo do atacarejo é justamente preço”, diz Sandro Benelli, consultor de varejo e conselheiro do Super Nosso.
PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS
Os atacarejos nasceram para atender pessoas físicas e jurídicas, os transformadores, como lanchonetes, pequenos comerciantes, restaurantes.
Houve época em que a divisão do faturamento das lojas era repartida igualmente entre esses dois grupos de clientes.
De acordo com Roldão, hoje, as famílias representam 70% do movimento de suas lojas e 60% do faturamento. Antes da pandemia, diz, era 50% para cada um.
De acordo com Virgílio Villefort, presidente da Abaas, pesquisa da Nielsen identificou que, no ano passado, 97,3% das compras das famílias eram feitas para abastecimento mensal (43,10%) e para reposição semanal (54,20%).
Quase 900 mil lares, diz ele, já compram somente neste modelo de loja.
“Os clientes que eram mais seletivos, como empresários e médicos, também querem economizar. Ninguém mais tem vergonha de frequentar o nosso negócio. Todos querem comprar mais barato”, afirma Villefort.
A dúvida que ainda fica é que, se a economia voltar a decolar, se os supermercados de vizinhança e os hipermercados não voltarão a ter todos os seus clientes.
Para Asp Souza, da Nielsen, a desigualdade social e o desemprego no Brasil é tão grande que ainda demora para o brasileiro ver a sua renda expandir.
A busca por economia, portanto, diz ele, deve persistir por um bom tempo.
Esta também é opinião de Cattani, da Tonin, especialmente após o brasileiro enfrentar uma pandeia há mais de um ano, que desencadeou mudanças de hábitos de consumo.
‘ROUBA MONTE’
Roldão, que conhece há décadas este mercado, faz um alerta para os novos investidores em atacarejos.
De acordo com ele, assim como no ano passado, o primeiro trimestre deste ano foi forte para o setor, mas o segundo trimestre já revela estabilização nas vendas.
“Considero até insano o número de abertura de tantas lojas de atacarejo. Pesquisas revelam que 92% dos municípios de São Paulo já são atendidos por um atacarejo”, diz.
Com tantas inaugurações, de acordo com Roldão, os empresários deverão passar no futuro por um processo de “rouba monte”.
Isto é, o mercado de atacarejo deve ficar estabilizado, sem registrar grandes crescimentos, e cabe às redes roubarem clientela umas das outras.
“Os supermercadistas acham que é fácil ganhar dinheiro com atacarejo. Mas o fato é que este setor é tão duro quanto o de autosserviço e o de hipermercado, com concorrentes fortes. Em breve, vamos ter a saturação deste mercado”, afirma.
Para Benelli, os empresários que estão investindo neste mercado não devem misturar os dois negócios, pois eles possuem culturas diferentes.
“No atacarejo, o cliente quer preço menor e, para isso, o custo precisa ser enxuto”, diz.
Se Roldão está ou não certo em sua avaliação o futuro vai dizer, mas o fato é que preço tem feito a diferença neste momento na decisão de compra dos consumidores.
E se as lojas mantiverem isso e também se tornarem cada vez mais confortáveis e atraentes, não tem porque perder clientela, na avaliação de especialistas em varejo.
Guerra, da Fast Ariam, diz que, inicialmente, os atacarejos pareciam mais como um clube de compras, com lojas muito simples.
Atualmente, essas lojas, que costumavam ter 7 mil metros quadrados, estão sendo remodeladas para dar todo o conforto para quem compra no varejo e no atacado num espaço menor, de 3 mil a 4 mil metros quadrados de área de venda.
“Era uma heresia falar em colocar açougue dentro de um atacarejo. As lojas também não tinham ar condicionado. Hoje, as lojas do Assaí têm açougues”, diz Benelli.
Para Guerra, as lojas de vizinhança, que também ganharam clientela na pandemia, têm propostas diferentes, já que são carregadas de serviços, como o delivery.
Por essa razão, ele entende que há público para os dois formatos de lojas.
De acordo com pesquisa da Nielsen, o faturamento dos supermercados e dos hipermercados cresceu pouco mais 12% no ano passado em relação a 2019.
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