A importância de planejar São Paulo bairro a bairro
Em entrevista ao DC, o urbanista Cândido Malta Campos Filho alerta para as consequências da excessiva verticalização e propõe que moradores sejam ouvidos pela Prefeitura

Um dos projetos de privatização da gestão do ex-prefeito João Doria propõe reurbanizar parte do complexo automobilístico de Interlagos, na zona sul de São Paulo, com a construção de um novo bairro dentro do autódromo.
A ideia de erguer residências, shoppings e hotéis pode levar até cinco mil famílias a se instalarem no local, que pode receber 25 prédios – "um verdadeiro retrocesso", na opinião de Cândido Malta Campos Filho, urbanista e professor emérito da USP (Universidade de São Paulo).
Para o especialista, ex-secretário do Planejamento da Prefeitura, a proposta ameaça o futuro dos mananciais da Billings e Guarapiranga, que segundo Malta já têm sua capacidade à beira do limite para diluir parte da poluição em suas águas.
Nas palavras do urbanista, as represas têm suas lâminas de água cada vez mais finas devido ao depósito de barro no fundo dos reservatórios, trazido pelas enxurradas, provocadas pelas chuvas, oriunda dos novos loteamentos da região.
Ou seja, a intoxicação crescente de suas águas, que não é eliminada pelo tratamento de esgotos nos levará a perda de ambos mananciais, que hoje atendem mais de três milhões de habitantes.
Neste sentido, Malta defende que a cidade de São Paulo deve ser planejada bairro a bairro. Para tanto, será necessário que os órgãos públicos façam um levantamento de tudo que o plano diretor ainda não alcançou em cada bairro com ajuda dos próprios moradores, como por exemplo, escolas, serviços sociais e equipamentos.

Na quarta-feira (13/06), Malta se reuniu com integrantes do Conselho de Política Urbana (CPU) da ACSP (Associação Comercial de São Paulo) para expor seus conceitos sobre estratégias de desenvolvimento para grandes áreas urbanas existentes na cidade. Em entrevista ao Diário do Comércio, ele conta como acredita ser possível construir uma cidade mais humana e menos refém da verticalização.
O senhor afirma que em países como Alemanha e Estados Unidos, a construção de prédios mais altos é proibida. Como a nossa legislação poderia lidar melhor com o mercado imobiliário?
A principal questão está em calcular a capacidade de suporte do sistema de circulação para ver quanto cada região ainda suporta em termos de densidade de populacional. Isso porque as viagens são geradas conforme a densidade e esse cálculo não é feito em São Paulo.
A ideia não é nenhuma novidade. Trata-se de uma decisão do ex-prefeito de São Paulo Olavo Setúbal, que governou entre 1975 e 1979. A ex-prefeita Marta Suplicy adotou a tese e trouxe a exigência do cálculo para o Plano Diretor. No entanto, o Fernando Haddad a excluiu.
Defendo que o excesso de densidade que tem sido produzida em operações urbanas gera um adensamento que a cidade tem mostrado não ter capacidade de suportar, como claramente mostram nossos congestionamentos.
No caso de Interlagos, por exemplo, o adensamento em massa não apenas ameaça nossa cada vez mais escassa água potável, mas também a maior área verde e grandes lagos da nossa metrópole. Manter o autódromo amplo e horizontal, com o máximo de área verde é importante em todos os sentidos. Trata-se do grande respiro de verde e lagos que essa região significa para os quase 20 milhões de habitantes metropolitanos, que estão sendo asfixiados por uma ocupação urbana sem o devido controle.
A construção de bairros verticalizados com grandes centros comerciais tem sido apontada como uma intervenção de valorização do espaço urbano. O senhor concorda? Quais outras soluções seriam adequadas?
A palavra valorização tem duplo sentido. Para quem é proprietário é bom porque valoriza o seu próprio patrimônio. Para quem é inquilino isso significa uma verdadeira expulsão. Somente os planos de bairro podem responder essa questão e saber onde esse tipo de intervenção traz valorização. Hoje, a substituição de casas por prédios em geral produz valorização de fato, mas do ponto de vista urbanístico, temos muitas outras soluções válidas.
O que nos norteia é o plano diretor. Porém em uma grande cidade, ele não trata de dizer quantas escolas faltam num bairro. Ele tem um caráter mais geral que não nos garante desenvolver os bairros de uma forma bem planejada.
Falando nos planos de bairro. O senhor é um defensor desse instrumento. Há algum caso bem-sucedido em São Paulo?
Sim. Quando a Companhia City planejou os Jardins foi tudo muito bem estruturado, e portanto, se trata de um local muito disputado pela tranquilidade oferecida, pelas áreas verdes. O que pretendo agora é replicar isso em áreas já existentes. Ou seja, mostrar como é possível através do plano de bairro melhorar o que já existe. Atualmente, a cidade de Diadema, na Grande São Paulo, demonstra forte preocupação em relação a esse instrumento.
Como é possível aproximar esse diálogo da população e colocar em debate os impactos reais da verticalização nos bairros?
O único jeito que conheço é comunicando e envolvendo. Sempre digo que planejar não é brincadeira. Não é apontar um número qualquer. Temos que nos aproximar, levantar a opinião do morador sobre a sua própria vila e bairro, saber como ele quer que aquele espaço seja no futuro. Pois, quando os planos são apresentados, a população precisa se reconhecer naquela pesquisa. Tem que ser uma pesquisa séria, para que todo o processo não seja desmoralizado.
O chamado estudo de impacto teria esse papel de examinar o que vai ocorrer em cada bairro em um plano de adensamento com o envolvimento da população em questão. Toda operação urbana deve fazer estudo de impacto. Já os PIUs (projetos de intervenção urbana) não têm essa obrigação. E aí está o erro: admitir uma intervenção urbana que vai adensar sem levar em conta o impacto que vai produzir para o cidadão e para o entorno que é impactado pelas viagens geradas.
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