O impacto das criptomoedas no varejo
Evento na Associação Comercial de São Paulo debate as possibilidades e os desafios para moedas digitais ganharem espaço no comércio
O ano de 2018 tem sido uma montanha russa para o Bitcoin. Na segunda quinzena de dezembro de 2017, o valor da moeda digital atingiu o maior pico de sua história e chegou a sua negociada em quase US$ 20 mil (R$ 69.350 na cotação da época).
No entanto, nos 10 meses seguintes, o Bitcoin rolou ladeira abaixo. Hoje, 1 bitcoin vale cerca de US$ 6.414 (ou R$ 23.700).
Agora, embora seja difícil prever, o Bitcoin parece estar chegando próximo a uma estabilização. Dessa forma, ele poderá cair nas graças do varejo nos próximos anos.
Ao menos é isso que espera Edson Ronin Gomes, gerente OTC da Criptohub, casa de câmbio especializada em criptomoedas.
“O principal motivo que faz as lojas não aceitarem pagamento com Bitcoin é a volatilidade”, diz ele. “Pois o comércio pode vender um produto numa cotação e na próxima hora o valor cair e a loja ter prejuízo”.
Com cerca de 30 mil usuários em sua plataforma, que já negociam entre eles compra e venda de Bitcoin, a Criptohub lançará, em dezembro, uma solução focada no e-commerce.
A ideia é que as lojas instalem um plugin que permitirá aos usuários comprar produtos com Bitcoin.
A novidade funcionará da seguinte forma: um usuário, com Bitcoin em sua carteira digital, escolhe uma oferta numa loja e a tecnologia gera uma ordem de venda de moeda digital dentro da plataforma da CriptoHub.
Outro usuário, com interesse em adquirir Bitcoin, realiza uma ordem de compra utilizando o Real (R$).
No entanto, o valor em Real será direcionado para a loja, que entregará o produto para o primeiro usuário.
“A transação será feita por comandos auto executáveis instantaneamente”, explica Gomes. “Assim a moeda digital terá a mesma cotação para os três elos da negociação para evitar prejuízo para alguma das partes”.
A tecnologia da CriptoHub foi apresentada durante o evento Como A Criptomoeda Está Impactando O Varejo Moderno, realizado na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na última quarta-feira (24/10).
O encontro foi uma iniciativa do Grupo de Trabalho de Internet das Coisas (IOT) da Associação Brasileira de Automação para o Comércio (AFRAC), em parceria com a ACSP.
“O objetivo do evento é ampliar o conhecimento sobre as criptomoedas e debater sua evolução e futura aplicação no comércio”, disse Aparecido Raposo, vice-presidente de Inovação da AFRAC e diretor de Fusões e Aquisições da Linx Sistemas.
O OLHAR REGULATÓRIO
De acordo com Helena Margarido, advogada especialista em blockchain e moedas digitais que proferiu palestra no evento, definir o que é uma criptomoeda do ponto de vista jurídico é uma tarefa complexa.
A criptomoeda não pode ser considerado uma moeda, uma vez que, pela legislação brasileira, só existem dois tipos de moeda aceitas no país. A nacional (o Real) e a internacional (como dólar ou euro). Ambas precisam ser emitidas por um Banco Central de um país.
A criptomoeda também não é tida como um meio de pagamento. Isso porque a Lei 12.865-13, que determinou que a prestação de serviços de pagamento não é exclusividade de instituições financeiras, regula apenas a atuação das bandeiras e empresas que atuam na cadeia, como Cielo e Rede.
Já o comunicado nº 31.379, de 16/11/2017, emitido pelo Banco Central, também livra a responsabilidade da instituição ao determinar que “embora as moedas virtuais tenham sido tema de debate internacional e de manifestações de autoridades monetárias e de outras autoridades públicas, não foi identificada, até a presente data, pelos organismos internacionais, a necessidade de regulamentação desses ativos.”
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Ao mesmo tempo, as criptomoedas não são ativos financeiros, uma vez que não possui uma empresa como emissora e nem determina algum retorno para quem compra, como participação ou remuneração.
De acordo com Helena, as moedas digitais são bens intangíveis, móveis, cujas características variam – e está mais para uma tecnologia que pode ser utilizada para diferentes fins.
A advogada também listou oito tipos de moedas digitais, cada um com um foco, incluindo uma modalidade, utilizada nos Estados Unidos, que promete retorno sobre investimento.
“Impensável, portanto, que exista uma só regulação para as moedas digitais”, disse Helena. “As legislações deverão focar em seus usos, sob pena de criar regimes jurídicos inaplicáveis ou impraticáveis.”
VALE A PENA
Embora estimativas apontem a existência de 180 empresas que aceitam Bitcoin como forma de pagamento, o valor transacionado ainda é irrisório.
Para Fernando Fanizzi, diretor de TI da Óticas Diniz, para uma loja cogitar aderir a moeda digital é necessário avaliar três fatores:
Primeiro, o lojista deve identificar se os clientes estão pedindo moedas digitais como forma de pagamento. Ou seja, se há demanda.
Segundo, se a marca tem posicionamento de inovação tecnológica, como as startups nativas digitais, ou opera num formato tradicional, cheia de processos rígidos, similar ao padrão adotado por grandes companhias.
Neste caso, a adesão será bem difícil.
Terceiro, as expectativas de regulamentação das moedas digitais.
“O Governo interfere em novos modelos de negócios, como fez com o Uber, e uma nova norma pode impactar a iniciativa da empresa”, afirma Fanizzi.
O executivo explicou que a Ótica Diniz ainda não tem planos para aceitar moedas digitais. A justificativa está no próprio modelo de negócio da empresa.
Parte representativa dos clientes são idosos, com utilização restrita de tecnologia.
Ao mesmo tempo, uma das formas prediletas de pagamento entre os clientes, principalmente na região nordeste, é o crediário próprio da marca, um modelo antigo.
IMAGEM: Pixabay e Divulgação/Victoria Soares Ramos