Conheça o aplicativo de mensagens que pode sepultar o e-mail
A Slack, fundada por Stewart Butterfield (na foto), está mudando a maneira como os funcionários se comunicam graças a um app de grupo que evita a privacidade e arquiva automaticamente quase tudo
Por Farhad Manjoo / Foto: Jason Henry
Quem trabalha na indústria de tecnologia vem cavando, há mais de uma década, a sepultura do e-mail. Essas previsões, porém, sempre pareceram um pouco fora de lugar.
O e-mail, apesar de seu efeito terrível em nosso dia a dia, é incrivelmente ubíquo, acessível, complacente e, aparentemente, continua a ser um bom negócio. No ano passado, a Amazon, Dropbox, Google e Microsoft anunciaram novos projetos de e-mail.
Contudo, apesar de sua resistência admirável, é possível visualizar um futuro em que o e-mail será suplantado por novas ferramentas que permitirão às pessoas colaborarem em grandes grupos, impondo às empresas uma transparência radical em suas informações que muitos, pelo menos na indústria de tecnologia, acreditam ser essencial.
O melhor exemplo desse novo tipo de sistema de comunicação vem da Slack, uma startup de São Francisco. O sistema parece semelhante a vários outros aplicativos de bate-papo em grupo já usados anteriormente — basta lembrar do Instant Messenger, da AOL, ou, em um grau maior de "nerdice", o Internet Relay Chat, mais conhecido pelas suas iniciais, IRC.
O Slack, entretanto, tem algumas características incomuns que o tornam extremamente adequado para o trabalho — entre elas, o arquivamento automático de todas as suas interações, um bom motor de busca e uma versatilidade que permite usá-lo em praticamente todo tipo de aparelho. Como sua hospedagem é online, e sendo ele altamente customizável, a configuração e a manutenção do Slack são muito fáceis.
Essas características ajudaram a fazer dele um dos aplicativos para negócios de crescimento mais rápido da história. Depois de um ano apenas em operação, o Slack atende cerca de meio milhão de trabalhadores diariamente, substituindo parcialmente o e-mail, as mensagens instantâneas e as reuniões presenciais.
O número de usuários do Slack dobra a cada três meses, de acordo com Stewart Butterfield, um dos fundadores e CEO da empresa. Butterfield prevê que até o final do ano, de dois a três milhões de trabalhadores no mundo usarão o Slack. (A Slack é uma empresa privada e o número de usuários do sistema criado por ela não pode ser verificado de forma independente).
Embora a empresa ofereça uma versão grátis do seu sistema, suas receitas vêm da tarifa mensal de US$ 6,50, ou mais, cobrada das empresas, por usuário, que lhes dá o direito a novos recursos. Butterfield diz que a empresa ainda não é lucrativa, porém suas despesas mensais giram em torno de "alguns milhares de dólares ao mês", o que é relativamente pouco para uma startup que emprega mais de 100 pessoas.
No outono passado, a empresa captou US$ 120 milhões em investimento e a companhia foi avaliada em mais de US$ 1 bilhão.
Talvez mais impressionante do que o ritmo do crescimento da Slack seja seu alcance. O sistema está sendo usado como meio principal de comunicação em empresas de todo tamanho e em diversas indústrias. São seus clientes, entre outros, a Comcast, Wallmart, Blue Bottle Coffee, inúmeras startups e várias companhias de mídia, entre elas o New York Times.
MAIS TRABALHOS EM EQUIPE E MENOS SEGREDOS
É claro que a Slack não está sozinha nessa tentativa de criar uma forma mais refinada de comunicação no trabalho. O Google e a Microsoft, além de outras empresas inovadoras, como a provedora de armazenamento em nuvem Box, a empresa de software de produtividade Quip e a Asana, sistema de gestão de projetos, estão tentando fazer algo semelhante. Há também diversos concorrentes diretos da Slack, entre eles a HipChat.
Por trás da ascensão da Slack encontramos a visão grandiosa de Butterfield para o futuro do escritório. Ele aposta no declínio do trabalho solitário, e na medida em que nossas funções se tornarem mais complexas, coisas cada vez mais técnicas e criativas serão realizadas por meio de equipes, e não de trabalhadores solitários.
Para ser eficaz nesse contexto, o trabalhador terá de se habituar a navegar pela dinâmica de equipes complexas. Para fazê-lo, terá de confiar em um tipo de comunicação sutil e íntima que o e-mail não permite. A colaboração exige também outro fator no local de trabalho moderno a que Butterfield chama de transparência.
"O termo talvez esteja muito carregado politicamente, mas queremos apenas nos referir à capacidade de poder analisar diferentes partes da organização, o que acaba sendo muito importante", disse Butterfield.
Embora seja possível ter uma conversa em particular no Slack, por definição, tudo o que alguém diz é visível para todos os demais funcionários da empresa, inclusive pessoas de outros departamentos. Trata-se de um sistema que, segundo Butterfield, permite a colaboração de diferentes setores. A maior parte das discussões no Slack também é arquivada e fica disponível para pesquisa.
Como consequência, com o tempo as conversas vão se acumulando e formando um enorme corpus de conhecimento histórico. Esse arquivo, de acordo com Butterfield, será um meio importante para que as pessoas — principalmente os novos funcionários — compreendam o que se passa na empresa.
"A possibilidade de retomar o que se passou nas últimas semanas nos proporciona um enorme conhecimento que nos mostra como a empresa opera, de que maneira as pessoas se relacionam umas com as outras, quem sabe a resposta ao maior número de indagações, quem realmente toma as decisões", disse.
Um sistema de comunicação que ofereça uma transparência tão radical pode deixar chocados muitos trabalhadores. Alguns, talvez, se ressintam da ideia de que seus chefes ou colegas mais distantes possam ter acesso às suas discussões. O Slack foi alvo de crítica no ano passado quando anunciou que em seus planos para as empresas de maior porte o sistema permitiria que os departamentos técnicos arquivassem as comunicações particulares dos funcionários em cumprimento a exigências jurídicas.
O SUBSTITUTO DO EMAIL
Além das questões de privacidade, outro ponto crítico será a adaptação. Como o Slack geralmente entra em empresas que já usam o e-mail, muitos funcionários podem interpretá-lo como apenas mais uma coisa de que têm de dar conta. Quem se deu bem no mundo fechado do e-mail bem escrito pode não se sentir tão à vontade no espaço mais descontraído do Slack onde, com frequência, a conexão é constante e ubíqua e gracejos escritos às pressas são acompanhados de um emoji (carinhas e outras imagens) ou de um GIF ridículo.
Aquilo em que Butterfield acredita, porém, se encaixa com a ideia — sustentada por estudiosos da empresa — de que o livre fluxo de informações a torna mais eficaz.
"O que sabemos sobre as empresas, de modo geral, é que quanto mais conhecimento o trabalhador tem, maior a probabilidade de que ele tome decisões melhores, e maior também a probabilidade de que ele se sinta envolvido pelo que faz", disse James O'Toole, professor da Escola de Negócios Marshall da Southern California University, que estudou os benefícios da transparência no local de trabalho.
A ideia de que o trabalhador possa conversar mais livremente se tornou ponto de honra na cultura do Vale do Silício.
"Agora, graças à tecnologia, temos praticamente uma segunda camada da empresa onde não há hierarquia — é muito mais uma rede", disse Aaron Levie, CEO da Box, cujas ferramentas permitem um tipo de compartilhamento semelhante. "Em outras palavras, isto significa que temos de colaborar mais uns com os outros, em vez de acumular informações, já que não é mais assim que se agrega valor."
Pude comprovar isso ao usar o Slack no New York Times. Um perigo no meu trabalho de colunista que trabalha na Califórnia é a sensação de desconexão com a nave-mãe em Nova York. Com o Slack, tenho acesso a conversas que de outra forma não teria. Acompanho de que modo os produtores e editores que lidam com a minha coluna pretendem apresentá-la e como a equipe que supervisiona a home page vê o meu trabalho.
Além disso, tenho uma sensação de intimidade com meus colegas de trabalho do outro lado do país que é quase uma festa. Em se tratando de trabalho, isso é uma grande coisa.