Todos contra o fantasma da seca que ronda São Paulo
Diante da ameaça cada vez mais inevitável de um severo racionamento, o mundo empresarial calcula prejuízos e arma planos de contingência
Com a proximidade de um programa de racionamento que a cada dia parece inevitável, o mundo dos negócios se movimenta em torno de planos de contingência. Tome como exemplo a indústria têxtil. O prejuízo causado pela falta de água para as fábricas de roupas e tecidos é incalculável, segundo afirma Rafael Cervone Neto, presidente da Abit, a associação que reúne as empresas do setor.
A crise hídrica afeta todos os elos de sua cadeia produtiva, especialmente os segmentos intermediários, de beneficiamento e tinturaria, e no início da produção, quando as empresas usam água para climatização e geração de vapor.
A Fibria, a maior fabricante mundial de celulose, concluiu dois planos de contingência prontos para serem implementados. Seu presidente, Marcelo Castelli, diz que haverá adequação da produção ao nível de restrição de água na unidades de Jacareí, no interior de São Paulo e o aumento da importação de insumos.
A exemplo da indústria, o comércio paulista busca alternativas para enfrentar a ameaça da seca, uma vez que, segundo previsões de especialistas, o volume das represas poderá se esgotar em março.
“Daqui para frente, o comércio deve adotar estratégias ainda mais específicas e rígidas para o uso racional da água. Combater as perdas de água, reduzir o consumo e trabalhar com reúso se tornaram exemplos essenciais”, afirma Marcelo Morgado, coordenador do NESA (Núcleo de Estudos Socioambientais), da ACSP (Associação Comercial de São Paulo) e ex-assessor de meio ambiente da Sabesp.
A fim de orientar os empresários do setor Morgado elabora um guia com detalhamento das estratégias, a ser divulgado nos próximos dias.
O fato é que São Paulo enfrenta hoje a mais grave crise hídrica de sua história. Desde janeiro de 2014, uma forte estiagem vem submetendo boa parte da população à falta de água em alguns períodos. Este mês rendeu apenas metade da chuva esperada no Sistema Cantareira, que abastece 6,2 milhões de moradores na Grande São Paulo.
Há cinco dias, o reservatório mantém seu nível em 5,1%, segundo o boletim divulgado pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). Se a chuva não atingir as represas até amanhã, sábado (30), este será o 12º mês com volume abaixo da média histórica.
A média de consumo nacional de água é de 167 litros por dia, por pessoa. Na região Sudeste do país, porém, esse número sobe para 194 litros. A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda 110 litros por pessoa.
A poucas horas do final de janeiro, os reservatórios que abastecem a região receberam apenas 54,5% da média histórica de chuvas para o mês. São Paulo pode entrar em sistema de racionamento no regime 5 dias x 2 dias, nos próximos meses.
TEMORES
Os shopping centers são em geral apontados como os primeiros compelidos a fechar suas portas. Para a administração do Santana Parque Shopping, na zona norte, o tema é preocupante desde a sua inauguração, em 2007.
A implantação de um sistema que transforma o esgoto que vem dos banheiros e da praça de alimentação em água foi responsável pela redução superior a 50% dos gastos. A conta caiu de R$ 80 mil para R$ 20 mil. Somando tudo, já são mais de R$ 2,5 milhões economizados.
A pequena estação de tratamento permite que o shopping consuma 30% menos que a rede pública, reutilizando uma água que seria descartada. Tratado, o líquido é utilizado na limpeza do chão e de móveis, no ar-condicionado, na irrigação dos jardins e nas descargas.
“Temos nos preparado para reduzir o consumo e assim ganhar eficiência, que faz com que tenhamos menos influências externas. Procuramos ser independentes para reduzir o consumo”, diz Ricardo Omar, gerente de operações.
No ano passado, o shopping investiu R$ 600 mil em um software para monitoramento do consumo de energia. Com esse programa, toda a iluminação e o sistema de ar-condicionado do empreendimento podem ser ligados e desligados independentemente da presença humana.
Graças ao sistema, a redução no consumo atingiu cerca de 10%. Além disso, toda a iluminação foi substituída por lâmpadas de LED. Algumas lojas já reduziram 40% do consumo de energia.
BÔNUS
Em um dos 45 restaurantes da rede Big X-Picanha, em Pinheiros, o uso consciente da água gera lucro para os funcionários. A forma encontrada pelos executivos foi estimular a economia com uma bonificação.
O valor economizado na conta de água é dividido por dois. Metade vai para o restaurante e a outra é distribuída entre os funcionários. O método já gerou uma economia de R$ 1.650 no mês e acrescentou R$ 50 no salário de cada funcionário.
Diante da ameaça da falta de água, o hostel 3 Dogs, na Vila Mariana, zona oeste da Capital, adotou medidas educativas para conscientizar seus hóspedes. Em todos os cômodos, há indicações de como poupar.
As descargas que antes liberavam 10 litros de água, hoje funcionam com apenas 3 litros. O mesmo foi feito com os chuveiros, que ao invés de 8, agora gastam 3 litros de água por minuto. O banho de cada hóspede é controlado por uma ampulheta – somente 5 minutos.
A máquina de lavar só pode ser ligada quando o acúmulo de roupa suja atingir o peso máximo permitido. Redutores de pressão foram colocados em todas as torneiras e outras – trancadas com cadeados - funcionam somente para emergências.
A rede de restaurantes Sí Señor também buscou soluções. Uma medida muito simples está fazendo a unidade do Tatuapé, na zona leste, poupar 12 mil litros de água por mês.
Um sistema de encanamento capta toda a água produzida pelos aparelhos de ar-condicionado, e despeja o líquido em um reservatório. O volume de água desperdiçado por 5 equipamentos da unidade é reaproveitado para lavar pisos e regar plantas. Cada máquina gera 8 litros de água por hora para manter o ambiente refrigerado. No fim do dia, 400 litros de água são represados.
A mesma solução será adotada nas demais 21 unidades da marca. A medida também será expandida e disponibilizará água de reúso para lavar calçadas e para as descargas dos banheiros. Até o final de 2015, a rede pode alcançar uma economia de mais de 400 mil litros por mês.
Para Jorge Maluf, presidente da rede, pensar de maneira sustentável não é mais uma aposta, e sim uma necessidade. “A economia financeira é grande, mas se pensarmos no ganho ecológico, é muito mais representativo”, diz.
*Com informações de Estadão Conteúdo