São Luiz do Paraitinga vive seu Carnaval da restauração
A expectativa é que a cidade, assolada por uma enchente há cinco anos, receba 150 mil turistas no primeiro Carnaval após a recuperação da Igreja da Matriz
Há cinco anos, São Luiz do Paraitinga, no interior de São Paulo, tenta se recuperar de uma enchente que destruiu quase toda a cidade. Cada vez mais perto de uma recuperação total, este ano, comerciantes e moradores se prepararam para receber o Carnaval com 90% da cidade reerguida.
Habituada a receber turistas durante quase todo o ano, a pequena cidade de 11 mil habitantes e a 187 quilômetros da capital é dona de um dos carnavais de rua mais animado do Estado e de um casario multicolorido – mais de 400 imóveis tombados, do século 19.
É a primeira celebração depois de a Igreja da Matriz, a principal da cidade, ter sido totalmente reconstruída, restaurando o cenário que define o carnaval no município.
A expectativa é de receber até 150 mil turistas nos quatro dias de Carnaval. Os primeiros blocos, como o Rei Canário, já saíram ontem à noite (13). Mas é neste sábado (14) que o Juca Teles leva às ruas a "incitação à farra e à folia", o grito poético de carnaval entoado por Campos.
Um estandarte expõe a filosofia do bloco: "Como viver sentindo a passagem do tempo". "É a reflexão do caipira filosófico. Quando se olha o céu, vemos nossa insignificância. Do céu e inferno ninguém escapa, então vamos cair na gandaia."
Ao meio dia, "em pleno sol que arrebenta mamona", o boneco de Juca Teles, de 12 quilos, desfila ao lado de sua musa inspiradora, Nhá Fabiana, de cabelo esvoaçante laranja à la Rita Lee. Juca Teles do Sertão das Cotias era o codinome de um personagem histórico da cidade, chamado Benedito de Souza Pinto, que viveu entre 1888 e 1962.
Foi informante do escritor Alceu Maynard de Araujo sobre folclore e tradição regional. Sua figura e importância foram resgatadas por Campos em 1985. "Tiravam-no de maluco, mas ele colaborou com uma importante documentação da história e faz parte da identidade de Paraitinga", diz Campos, que vai levar seu bloco a outras três cidades.
É um cenário de festividade bem diferente de janeiro de 2012, quando São Luiz do Paraitinga virou um grande depósito de entulho com o transbordamento do rio Paraitinga, que chegou a 14 metros de altura.
Com todo o seu cenário debaixo d´água, o município levou meses para limpar o barro que desabrigou 9 mil dos 11 mil habitantes. A subida do rio Paraitinga foi democrática. Não escolheu as vítimas, e atingiu centenas de estabelecimentos comerciais, além de equipamentos públicos, como escolas e bibliotecas.
Uma verdadeira força-tarefa foi necessária para chegar ao montante de R$300 milhões gastos somente na recuperação do patrimônio público. Governo Federal e estadual, iniciativas privadas, universidades e municípios vizinhos se tornaram fontes de contribuição em investimento, projetos e até mão-de-obra.
Praças, ruas, entradas e imóveis de interesse cultural foram tratados com prioridade, assim como a construção de 151 casas para a população de baixa renda que teve suas casas completamente destruídas.
Principal atrativo histórico da cidade, a igreja Matriz São Luís de Tolosa , por exemplo, exigiu um investimento de R$ 18 milhões. Tombada pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo), ela foi reconstruída com recursos do governo estadual, por meio de parceria entre a Secretaria da Cultura e a Mitra Diocesana de Taubaté.
RECUPERAÇÃO DO COMÉRCIO
José Roberto da Silva, 51 anos, além de dono de um restaurante no centro da cidade, é também presidente da ACISLP (Associação Comercial de São Luiz do Paraitinga). A história dele se confunde com a de outros tantos luzienses que perderam tudo.
Dos 300 estabelecimentos comerciais, apenas três pequenos mercados saíram ilesos da enchente. As poucas casas não atingidas tinham comida suficiente para um mês. Mas, os alimentos duraram apenas dois dias. Na data da tragédia, Silva estava abastecido para servir mais de 300 refeições por dia. Eram 12 refrigeradores carregados de alimentos perecíveis e bebidas. Tudo perdido.
Hoje, ele avalia que o incidente exigiu um investimento de cerca de R$300 mil apenas para reabrir o seu negócio. Ele foi um dos primeiros a voltar a funcionar, apenas 30 dias após a enchente.
Apesar da sensação de desamparo causada pela tragédia, um sentimento de esperança embalou a cidade a trabalhar duro por seis meses. “A cidade parecia uma plantação. Cada nova porta que se abria, brotava uma semente de coragem em outros moradores. Isso foi essencial para a nossa recuperação”, diz.
À espera do carnaval, Santos acredita que o faturamento do comércio local deve aumentar cerca de 200%. O restaurante, por exemplo, deve servir mais de 700 refeições – o dobro do que é servido em dias normais.
Assim como boa parte da população, Antônio Donizete da Silva, 46 anos, proprietário da pousada Nativa´s, e sua família viveram de doações para se alimentar e se vestir por mais de dois meses.
Com a pousada completamente destruída, assim como sua casa, ele e os três irmãos recorreram a um empréstimo de R$ 250 mil, parcelados em seis anos – além do empréstimo pessoal para também restabelecer a casa que foi destruída.
“Muito políticos usaram o cenário de tragédia para se promover, dizendo que cada morador da cidade recebeu uma quantia como ajuda e nada disso aconteceu. A ajuda que recebemos partiu de pessoas muito solidárias, gente que veio de longe pra nos ajudar a tirar o barro, gente com muita boa vontade”, diz.
Hoje, com tudo reformado e mobiliado, Silva ainda está saudoso. “Está tudo pronto, com a exceção de alguns detalhes de decoração, mas falta aquele aconchego que tinha antes”. A menos de um mês para o carnaval, a pousada tem 70% das acomodações reservadas e, segundo Silva, o restante será preenchido facilmente.
E a história se repetiu com Vinicius César Cursino dos Santos, de 24 anos, proprietário do depósito de construção Cursino. Tudo o que a empresa tinha era uma pequena reserva de dinheiro para recomeçar do zero.
Foram um ano e quatro meses trabalhando 12 horas diariamente, para recuperar o depósito. De tudo o que havia na loja, somente os canos de PVC foram salvos.
Santos recorda que a compreensão de alguns fornecedores veio de forma inesperada. “Alguns trocaram os materiais danificados sem nenhum custo adicional, e outros facilitaram o pagamento dos produtos destruídos”, diz.
Além de prejuízo, a catástrofe trouxe uma nova gestão para o negócio da família. Com o capital reduzido, eles acompanhavam as obras de toda a cidade para saber qual seria o próximo item de estoque.
“Todo mundo comprava a mesma coisa e ao mesmo tempo. Então, não adiantava comprar tinta, se a maioria ainda estava na parte elétrica. Esse planejamento se tornou uma estratégia de recuperação da empresa”, diz.
CARNAVAL MOVIMENTA ECONOMIA LOCAL
Com boa parte da cidade restabelecida, o momento ainda é de reforma pré e pós-carnaval. Desde o início do ano, as pousadas se preparam para deixar tudo em ordem e, passado o feriado, as famílias que saem de suas casas para alugá-las por até R$7 mil, fazem pequenas reformas, como pintura.
Apesar da ininterrupção de festas tradicionais como o Carnaval e a festa do Divino, no ano seguinte ao da tragédia, a expectativa para esse ano é maior. Essa é a primeira vez que a cidade recebe os foliões com 90% de seu patrimônio reconstruído.
São esperadas 50 mil turistas por dia, uma média de 150 mil pessoas no período acumulado. “A meta é que a cada ano o número de turistas seja superior ao anterior”, diz Eduardo Coelho, diretor de turismo.
O custo do Carnaval para a prefeitura é avaliado em R$1 milhão, que gera um retorno de R$ 15 milhões pulverizado por toda a cidade.
Segundo Coelho, além de todo o apoio material que a cidade recebeu, a dedicação e o conhecimento de especialistas como, por exemplo, de Aziz Nacib Ab'Saber, geógrafo nascido em Paraitinga e falecido em 2012, foi fundamental para levantar tudo.
*Com Estadão Conteúdo