Uma nova era de petróleo barato?
A queda violenta no preço do barril do petróleo não parece ser mais um desequilíbrio da oferta e demanda; há outros atores no mercado, como os produtores americanos de xisto
O preço do petróleo bateu em 48 dólares por barril em Nova Iorque e pouco mais de 51 dólares em Londres na terça-feira e parece confirmar o que muitos estão afirmando: uma mudança radical no mercado de energia.
Desta vez parece que não estamos simplesmente diante de uma das muitas flutuações dos preços observadas no passado. Em outras ocasiões os analistas tenderam a considerar que os altos e baixos nos preços eram transitórios e normais e a projetar um retorno à média de preços anteriormente observada.
Contudo, um conjunto de fatores parece indicar que há fatos novos do lado da oferta do produto, e que uma mudança fundamental pode estar ocorrendo. Se assim for, seus efeitos poderão tornar-se duradouros.
Até recentemente, cabia à Opep – Organização dos Países Exportadores de Petróleo – regular o mercado, restringindo ou ampliando a oferta, conforme as condições da demanda mundial pelo produto.
No passado, momentos de forte queda nos preços, como agora ocorrem, induziam os membros do cartel a reduzir a oferta para elevar o preço. Cabia, nesse modelo, papel central à Arábia Saudita, maior produtor e exportador de petróleo. Em razão disso, e pelas regras da Opep, a ela cabia a fatia do leão no corte do suprimento ao mercado.
Por que dessa vez a Arábia Saudita comporta-se de maneira diferente, argumentando que não pretende reduzir a produção e conclamando os demais membros do cartel a fazê-lo?
Há uma razão fundamental para um comportamento que alguns classificam como atípico. Essa razão reside no fato de que há novos grandes ofertantes no mercado, capazes de abocanhar uma parte da fatia do mercado detida pelos sauditas. Esses novos ofertantes são os produtores de petróleo a partir do xisto nos Estados Unidos e outros produtores de energia, convencional e não convencional. Deter a expansão desses novos ofertantes é a base da atual estratégia da Arábia Saudita, e o país aparenta sentir-se confortável com a queda de 50% no preço do petróleo em pouco mais de seis meses.
A expectativa é de que a queda nos preços pelo menos adiará a entrada em produção de um grande número de projetos de extração a partir do xisto. Essa queda também afetará a produção a partir de fontes alternativas, como biocombustíveis e fontes eólicas e fotovoltaicas.
Ao mesmo tempo, a queda nos preços fatalmente levará a um aumento da demanda e poderá ajudar na recuperação do crescimento de algumas das principais economias, hoje patinando na estagnação e caminhando para a deflação. O caso mais visível é o da União Europeia, mas a dificuldade de relançar a economia japonesa enquadra-se na mesma situação.
Caso fosse possível a rápida adaptação da economia mundial às mudanças já ocorridas no mercado de petróleo talvez tivessem razão os que veem a atual situação como transitória. Ocorre, contudo, que a experiência mostra que adaptações nessa escala e no conjunto da economia mundial demandam muito tempo.
O exemplo de evento de mesma expressão e de sentido contrário – a rápida elevação dos preços em 1973 – mostrou que foi preciso um grande número de anos para que a demanda se adaptasse aos novos preços e fontes alternativas de oferta se desenvolvessem. O mesmo provavelmente ocorrerá agora; a queda nos preços veio para ficar conosco por um período prolongado.
Alguns efeitos colaterais positivos decorrerão dessa nova conjuntura. Segundo a revista Economist, o preço mais baixo do petróleo servirá como adrenalina para o crescimento global, transferindo certa de 1,3 trilhão de dólares dos produtores para os consumidores. Para o consumidor americano típico isso produzirá uma economia de 800 dólares por ano. Os recursos poupados com a redução no preço do petróleo se destinarão a outros gastos.
Não somente benefícios decorrerão dos novos preços. Os grandes prejudicados incluem a Rússia, a Venezuela, o Irã e Angola, países dependentes das exportações de petróleo para custear suas importações de quase tudo o que consomem.
Perderão também os países que acessam o mercado internacional de empréstimos para financiar os déficits de seus balanços de pagamentos. Recursos que anteriormente eram reciclados a partir dos países exportadores de petróleo estarão agora sendo gastos pelos consumidores de derivados – residentes majoritariamente nos países ricos.
É bom que comecemos a ajustar a economia e que possamos reduzir nossa dependência de recursos externos para fechar o balanço de pagamentos. Esses recursos ficarão mais caros e escassos daqui para frente.