Trocar seis por meia dúzia
Noticia-se que a presidente Dilma Rousseff está sob forte pressão para trocar o ministro da fazenda, Joaquim Levy, pelo ex-presidente do Banco Central do governo Lula, Henrique Meirelles. Imagina-se que a troca ocasionaria uma mudança na política econômica. Isso é possível?
Quem assim pensa equivoca-se. Naquele evento, a crise de confiança que se abateu sobre a economia mundial fez secar as linhas de crédito externas aos bancos e empresas brasileiras. De uma hora para outra, a liquidez secou e ameaçou quebrar nossos bancos e empresas.
A resposta de Meirelles foi inteligente e oportuna. Os bancos estabelecidos no Brasil depositam compulsoriamente no Banco Central uma parcela expressiva de seus depósitos, diferentemente do que ocorre com os bancos sediados na maioria dos países. A resposta do Banco Central do Brasil à falta de linhas de crédito externas foi reinjetar nos bancos os depósitos compulsórios de propriedade dos próprios bancos. Com isso, compensou-se o enxugamento da liquidez interna com o afrouxamento da liquidez interna, retida no Banco Central.
Esse episódio nada tem a ver com propostas de retomada da expansão do crédito para financiar pessoas físicas ou jurídicas – supostamente, é claro, a taxas de juros subsidiadas. Não há no momento uma falta de liquidez nos bancos. O que existe, sim, é um aumento expressivo na inadimplência, o que está levando os bancos a serem mais seletivos na concessão de novos empréstimos e na rolagem dos antigos. Além disso, estão também os bancos aumentando suas provisões para fazer face a devedores duvidosos. Tudo isso contrai a oferta de crédito, afetando as vendas, especialmente de bens duráveis.
É também duvidoso que Meirelles abandonaria o controle do gasto público. Ou que rejeitaria o aumento de tributos. A cada mês, a dívida pública cresce pela simples acumulação dos juros que vão sendo refinanciados com a colocação de novos títulos da dívida pública. Cresce, também e cumulativamente, pela necessidade de emissão de títulos para cobrir o déficit primário.
A recessão agrava o problema de solvência da dívida, já que ela cresce pelas razões apontadas no parágrafo anterior e o PIB não cresce na mesma proporção do aumento do endividamento – na verdade no momento está diminuindo.
Haveria um ganho significativo caso a substituição de um nome por outro operasse o milagre de fazer com que o Congresso votasse reformas estruturais que fossem à raiz do problema. Afinal, sem reformas estruturais qualquer ministro estará apenas enxugando gelo, isto é, postergando para mais adiante o enfrentamento dos reais problemas.
É fácil identificá-los. No governo federal, em torno de 75% da despesa não financeira (pessoal, custeio e investimento) do governo central concentra-se em cinco funções tipicamente sociais: saúde, educação, trabalho, assistência social e previdência social. Nesse grupo destacam-se as despesas com a previdência dos servidores públicos federais (2% do PIB de 2014) e a dos aposentados e pensionistas do INSS (7,1% do PIB de 2014).
Nos Estados e municípios a despesa com o pessoal ativo e os inativos passa de 40% da receita desses entes da federação. Excluídas as receitas que não podem ser usadas para pagamento de salários, o comprometimento com folha de pessoal pode passar de 60% em alguns estados.
A despesa com o pessoal, ao contrário do que muitos supõem, não cresceu como porcentagem do PIB. Portanto, se quisermos simplificar as coisas, para ajustar de forma sustentável as contas do setor público será inevitável uma ampla reforma do sistema previdenciário brasileiro. Essa tarefa, no entanto, não depende de quem está sentado o lugar do ministro da fazenda, mas dos deputados e senadores eleitos pelo povo.
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Efetuar essa reforma requer, por sua vez, que o povo a exija dos parlamentares. Cabe à sociedade e somente a ela discutir propostas e reformas, não apenas nomes de pessoas para cargos. Caso contrário continuaremos a discutir se vale a pena trocar seis por meia dúzia.