Trapalhadas orçamentárias
O projeto da LDO prevê superávit fiscal positivo de R$ 34,4 bilhões. A lei orçamentária prevê déficit de R$ 30,5 bilhões. Fosse vivo, Stanislaw Ponte Preta, escreveria uma de suas inesquecíveis crônicas
Se ocorresse em qualquer outro país, seria engraçadíssimo. Como ocorreu no nosso, não tem graça alguma.
Aqui, o Executivo encaminhou ao Congresso Nacional o projeto de lei orçamentária de 2016 sem que a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) tenha sido aprovada.
Essa lei, como o nome indica, define, entre outras, as metas e prioridades da administração pública para o exercício seguinte e serve para orientar a elaboração dos orçamentos fiscais e da seguridade social e de investimento do governo. Trata-se de disposição constitucional.
Estamos, pois, diante de um paradoxo: o governo terá que fazer o processo às avessas. Em lugar de ajustar o orçamento às disposições da lei de diretrizes orçamentárias, terá que ajustar essas disposições ao disposto no projeto de lei do orçamento.
Como está, o projeto da LDO prevê um superávit fiscal positivo de R$ 34,4 bilhões. A lei orçamentária prevê um déficit de R$ 30,5 bilhões. Fosse vivo Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, escreveria uma de suas inesquecíveis crônicas a respeito.
O déficit, na realidade pode ser ainda pior que o mostrado no orçamento. Estima-se que os recursos previstos ficarão R$ 1,6 bilhão aquém do valor desejado para contemplar as emendas dos parlamentares.
Da mesma forma, estima-se que não recursos suficientes para atender o disposto da chamada Lei Kandir, que compensa os Estados pela perda das desonerações tributárias dos produtos exportados. E por aí vai.
Se as coisas estão mal do lado da estimativa da receita, estão igualmente mal do lado da despesa. Há uma evidente demanda da sociedade por cortes na despesa pública, a exemplo do ocorre com as despesas das famílias quando o orçamento fica apertado. Todos afirmam comprometimento com esses cortes, apenas não explicitam como eles serão feitos.
Na verdade é mais fácil falar de cortes do que fazê-los. O Estado brasileiro transformou-se em gigantesco redistribuidor de recursos de uma parte da sociedade para outra. Cerca de 92% dos recursos orçamentários estão comprometidos com as chamadas despesas “obrigatórias”.
Não se trata apenas das disposições constitucionais que tornam mandatórios os gastos com os servidores públicos e seus respectivos encargos; com os desembolsos da previdência social; e com o pagamento do serviço da dívida pública.
Inclui também um grande número de rubricas nas áreas de educação e saúde e o subsídio ao crédito embutido nos financiamentos das agências oficiais de crédito, particularmente do BNDES.
Por outro lado, não é um problema meramente conjuntural ou transitório. A Previdência Social, maior rubrica do orçamento do lado dos gastos, enfrentará problemas crescentes de financiamento nos anos à frente. A população está envelhecendo rapidamente e é decrescente o número de contribuintes por beneficiário do sistema.
Há décadas se antecipava que chegaria o dia em que essa bomba de retardo finalmente explodiria, o que ameaça ocorrer em futuro não muito distante.
As taxas de juros pagas pelo governo elevam as despesas com essa rubrica a 5% do PIB. Esse percentual se elevará caso se mostre necessária a emissão de dívida pública nova para cobrir o rombo previsto no orçamento.
Finalmente, em meio a tudo isso, o número de servidores públicos no governo federal aumentou 28% entre 2003 e 2013, adicionando aos dois itens anteriores uma terceira forte pressão para a expansão dos custos correntes do governo.
Por fim, toda a discussão está centrada em torno da ocorrência de um déficit primário na execução orçamentária de 2016. Nesse sentido, o orçamento encaminhado pelo Executivo ao Congresso inova ao apresentar receitas e despesas correntes desbalanceadas.
O que não se tem levado na devida conta é o fato de que há anos o país registra um déficit nominal em suas contas. Esse déficit, que resulta da diferença entre todas as receitas e despesas da União, aí incluídos os pagamentos da conta de juros, é sustentado pelo crescimento da dívida pública.
Esse aumento, por sua vez, gera a necessidade do pagamento de juros sobre a dívida adicional, tornando esse crescimento autossustentado.
Apenas para tornar esse quadro ainda mais dramático, o bater de cabeças entre as autoridades é patético. O governo anuncia em um dia a volta da famigerada CPMF para apenas abandonar a ideia dois dias depois. O orçamento é encaminhado sem que a lei de diretrizes orçamentárias tenha sido aprovada, exigindo agora que o processo de confecção do orçamento seja invertido.
São muitas trapalhadas em um prazo curto de tempo, sem que qualquer solução para os problemas que assolam o país estejam sendo encaminhadas.