Sócios no poder
Um intruso atravessou o caminho de paulistas e mineiros no poder: o marechal Hermes da Fonseca, eleito em 1910 ao derrotar Rui Barbosa
Também na complicada arte de fazer política, seja para o bem, seja para o mal, existem coincidências históricas, como servem de exemplos o golpe dado por Getúlio Vargas em 1930 e a Revolução Constitucionalista de São Paulo de 1932, episódio que custou a vida de jovens idealistas que lutaram contra a opressão, a tirania e a mentira.
Nos dois exemplos, se uniram os mesmos estados para trair São Paulo: Minas, Paraíba e Rio Grande do Sul.
Em 1930, o caudilho Getúlio conseguiu atrair para integrar sua trama diabólica e golpista os ministros militares, que o ajudaram -com suas baionetas- a impedir a posse do paulista Júlio Prestes na presidência da República, depois de derrotar Vargas nas urnas com certa facilidade. Enquanto os três estados golpearam São Paulo traiçoeiramente, outros 17 estados apoiaram os paulistas nos dois episódios históricos.
A traição a São Paulo, contudo, não parou por aí: dois anos após, em 32, os paulistas se levantaram contra os ideais ditatoriais de Getúlio,que havia assumido o Poder de forma ilegítima, não aceitando a derrota para Júlio Prestes.
Detalhe: Getúlio só conseguiu golpear a democracia e o presidente eleito democraticamente porque atraiu com sucesso o apoio dos ministros militares.
A história ensina que ninguém consegue dar golpe ou fazer revolução vitoriosa se não tiver o mínimo de apoio militar. Até a mais famosa revolução mundial de todos os tempos, a da Rússia, em 1917, só foi possível depois que os comunistas Lenin, Trotski e Stálin conseguiram atrair o apoio da Marinha.
O levante dos paulistas ficou conhecido como Revolução Constitucionalista, que acabou se transformando na semente plantada no solo da liberdade mas que só daria frutos em 1945, com a deposição de Getúlio, 15 anos depois de assumir o governo através do golpe. Os militares que levaram Getúlio ao Poder também serviram para derrubar Getúlio.
Mais uma vez, portanto, Minas, Paraíba e Rio Grande do Sul fizeram oposição ao movimento cívico dos paulistas, apoiando as forças federais de Getúlio no massacre aos revolucionários idealistas de São Paulo.
Minas apoiou o golpe de 30 com o falso argumento de que naquele ano era sua vez de ter indicado o candidato à sucessão do presidente Washington Luís, que optou por apoiar o paulista Júlio Prestes contra Getúlio Vargas. Embora fosse natural da cidade de Macaé, Estado do Rio, Washington Luís fez toda carreira política em São Paulo. Ele foi prefeito da Capital e governou o Estado antes de se eleger presidente da República em 1926.
A justificativa dos paraíbanos para apoiar o golpe contra São Paulo foi que o candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas era o conterrâneo João Pessoa, que mais tarde seria assassinado quando se encontrava numa confeitaria em Recife. Sua morte violenta serviu de mote para Vargas fomentar o golpe e atrair o apoio dos ministros militares, enquanto os gaúchos deram todo apoio ao golpe porque diziam que Vargas era da cidade de São Borja.
O golpe de 30 marcou o fim da República Velha, que se iniciou após os dois governos militartes que se sucederam à Proclamação da Repúbçlica, em 1889, dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, alagoanos que governaram o País até 1894, quando foi inaugurada a fase da política cafe-com-leite, com paulistas e mineiros se revezando na presidência da República.
Os três primeiros presidentes civis foram paulistas: Prudente de Morais (l894-1898); Campos Sales (l898-1902); e Rodrigues Alves (l902-1906). Os três eram bacharéis em Direito formados pela Faculdade do Largo São Francisco.
A chegada dos mineiros ao Poder começou em 1906 com a vitória de Afonso Pena, eleito para governar até 1910. Antes, Afonso Pena governou Minas, sendo o responsável pela construção de Belo Horizonte e transferência da capital do estado de Ouro Preto para BH. Afonso Pena morreu um ano e meio antes de concluir o mandato, cabendo ao vice, Nilo Peçanha, governar o País os 18 meses finais.
Nilo não era mineiro, era carioca da cidade de Campos e foi o primeiro negro a chegar à presidência da República.
Um intruso, no entanto, atravessou o caminho de paulistas e mineiros no Poder: o marechal Hermes da Fonseca, eleito em 1910 ao derrotar Rui Barbosa. Hermes era gaúcho. Mas, em 1914, volta à presidência outro mineiro, Venceslau Brás, que foi presidente durante os quatro anos da 1ª Guerra Mundial.
Assim que terminou a guerra, em 1918, o paulista Rodrigues Alves é eleito pela segunda vez, mas não chega a tomar posse porque faleceu vítima da febre espanhola. Seu sucessor para um mandato-tampão de 1 ano foi o vice eleito Delfim Moreira, outro mineiro.
Um segundo intruso atrapalha a sequência de paulistas e mineiros no Poder, o paraibano Epitácio Pessoa, que governou de 1919 a 1922.
A década de 1920 a 1930 foi profícua em registros históricos; tivemos em 22 o levante dos tenentes no Forte de Copacabana contra o governo do mineiro Artur Bernardes; tivemos ainda a realização da Semana de Arte Moderna em São Paulo e a Exposição do Centenário da Independência no Rio.
Foi também em 22 que foi criado o partido mais antigo no País, o Partido Comunista do Brasil. Foi ainda nessa década que surgiram a Coluna Prestes e o bando de Lampião. A República Velha findou com o período de governo de Washington Luís, de 26 a 30, quando foi deposto, preso e deportado, graças ao golpe de Getúlio Vargas.