Silêncio constrangedor
O governo brasileiro se cala diante da escalada de arbítrio do presidente da Venezuela
O Brasil continua alheio aos acontecimentos em Caracas e em toda a Venezuela, e a cada dia que passa as notícias provenientes do país são mais preocupantes. O silêncio de nossas autoridades é constrangedor. A Venezuela é membro do Mercosul e como tal está sujeita à cláusula democrática que vige para todos os membros do mercado comum.
Agora mesmo, um jovem de 14 anos foi assassinado por uma bala perdida disparada por forças de segurança que dispersavam, à bala, uma manifestação contra o governo. Não temos esse tipo de coisa aqui e não podemos compactuar com acontecimentos dessa natureza em um país que forma conosco uma associação. A despeito disso, nos calamos.
Antes disso, Antonio Ledezma, prefeito do distrito metropolitano de Caracas, foi retirado à força de seu gabinete pela polícia secreta venezuelana. Para o governo de Maduro, trata-se de autodefesa contra golpistas com o propósito de reverter as conquistas populares obtidas durante o governo de Hugo Chávez.
A Venezuela vem reprimindo, de forma truculenta, toda e qualquer manifestação contra o governo. Essa repressão tem todos os ingredientes da intolerância fascista e nazista contra opositores e conflita diretamente com as diretrizes democráticas que desejamos que prevaleçam no continente.
A detenção de Ledezma se deve a uma acusação de participar de conspiração para derrubar por meios violentos o governo. O argumento é solerte: acusa-se Ledezma de usar as liberdades asseguradas pelo “Estado de Direito” vigente no país para solapar as instituições. A exemplo da narrativa bíblica da Torre de Babel - quando Deus, para impedir a continuação da construção, tornou a linguagem ininteligível -, o governo de Maduro distorce as palavras para utilizá-las contra seus adversários.
Por isso diz que “a magnanimidade da revolução bolivariana permitiu a Ledezma desfrutar de todas as garantias do Estado de Direito e, sob seu amparo, promover a violação da ordem constitucional”.
A despeito disso, é clara a sensação de que, em algum lugar, a insatisfação explodirá. Avolumam-se as denúncias de golpes de estado, combate-se a “guerra econômica” e ataca-se a imprensa, supostamente promotores da desestabilização política do país.
A detenção de Ledezma – líder da Ação democrática e popular líder político – tem por objetivo provocar a oposição a manifestar-se de forma violenta nas ruas, dando motivo à repressão. É claro que a oposição não cairá nessa armadilha. Como na Alemanha nazista, grupos de facínoras ligados ao governo estão preparados para dispersar qualquer manifestação contrária ao governo.
É lamentável que nos juntemos aos demais governos latino-americanos no silêncio em face desses atentados à livre manifestação e à democracia. Princípios não são negociáveis em troca de favores econômicos. Pior, são favores de maus pagadores.
De nada vale exortar as partes ao diálogo e a trabalhar pela paz. Nos limitarmos a dizer que eventos de qualquer natureza que afrontam as instituições democráticas na Venezuela são assuntos internos do país e que não nos cabe comentar.
Foi essa a posição do Secretário Geral da Unasul, Ernesto Samper, que afirmou que a organização “não deveria atiçar incêndios, mas apaga-los”. E completou: “nossa função consiste em buscar canais discretos e eficazes para que as coisas se ajustem ou melhorem através do diálogo entre os atores em crise”.
Foi assim com a subida ao poder dos regimes autoritários europeus no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. Como então, não se espera do governo venezuelano qualquer resultado de um diálogo com suas autoridades.
Situação similar observa-se também na Argentina. Tudo indica que os dois governantes sentem a aproximação do fim de um ciclo político em todo o continente e procuram enfrentá-lo, com pequenas chances de sucesso. O caso Nisman e a prisão de Ledezma parecem constituir um padrão, do qual afortunadamente estamos livres.
Para que assim permaneçamos é indispensável que a liberdade de expressão manifestada através da liberdade de imprensa seja assegurada pela permanente vigilância da cidadania. Essa liberdade é uma conquista dos cidadãos e não concessão de qualquer governo.
Preservá-la é nossa principal tarefa, agora e no futuro. Porque, como já disse Thomas Jefferson, a condição sob a qual Deus deu liberdade ao homem é a eterna vigilância. Se nosso governo mantém um silêncio constrangedor sobre o que ocorre com nossos vizinhos, cabe à cidadania quebrá-lo.