Reage Brasil!
Enquanto se dissimula o que realmente de grave está acontecendo e artificializa-se uma gravidade no que é inexpressivo, para piorar, o novo governo faz de conta que não é governo
Que continua a haver abomináveis desarranjos institucionais no Brasil pós-impeachment ninguém duvida.
Difícil é aceitar que parte da elite brasileira continue a ignorar os reclames da sociedade pelo respeito à Lei e pelo combate efetivo à corrupção.
Afastada a presidente, bastou uma mera semana para demonstrar que tudo pelo qual se foi às ruas protestar desde 2014 continua aí, firme e forte, mais arrogante e cínico do que nunca, a nos dizer: "Se vocês queriam um impeachment, vai ser do nosso jeito, pois somos nós que decidimos que leis devem ser cumpridas, quando e por quem".
O sujeito desse recado é plural, envolvendo expoentes da República e de distintos setores da sociedade que não se mostram nem um pouco sensibilizados com a gravidade da situação nacional.
Preferem se ocupar com a ciranda de declarações ostentatórias de sua vaidade, escolhem a leniência com a desordem no País, ou pior, deixam que os radicais em suas redações pautem o caos como bem entendem.
Para eles, que se dane a Constituição achincalhada com a elegibilidade de Dilma, às favas com a ordem pública afrontada por bandidos travestidos de manifestantes e que vá para a cucuia qualquer urgência em recuperar a economia.
Enquanto se dissimula o que realmente de grave está acontecendo e artificializa-se uma gravidade no que é inexpressivo, para piorar, o novo governo faz de conta que não é governo.
Individualmente, o corpo fala. Mas o corpo político também. E para saber o quanto ele está doente, basta enxergar o que aconteceu neste 7 de Setembro, data máxima da nacionalidade comemorada com desfiles cívico-militares em centenas de cidades brasileiras, o principal deles em Brasília.
Pontue-se inicialmente o ridículo da Universidade de São Paulo que se conforma com a 120a colocação no ranking internacional, mas não hesita em usar recursos à sua disposição para colocar estudantes radicalizados nas arquibancadas da Esplanada com o propósito de afrontar a solenidade.
Afronta sim, porque convidados não vão a uma festa para protestar. O Brasil dispõe há tempos de todos os espaços e fóruns para discordar e protestar em relação ao que for.
Não é no seu dia, como no aniversário de nossos amigos e familiares, que vamos apontar seus defeitos e faltas. E não adianta inventar nomes novos para molecagens antigas. O tal do grito dos excluídos continua a ser a afronta ao Brasil que sempre foi.
Registre-se em seguida que, pela primeira vez na memória de um país que a vai perdendo cada vez mais, um presidente da República não passou revista à tropa formada para o desfile, não recebendo a salva de artilharia em continência e se dirigindo diretamente ao palanque em carro fechado, sem usar a faixa presidencial. Além de inusitado, é algo extremamente grave.
A começar porque Michel Temer não tem esse direito. As homenagens e honrarias que se devem a ele neste momento não são pessoais, mas institucionais, prestadas ao Presidente da República.
A resultante do seu forfait foi muito maior do que o desfile amplamente ignorado do qual a imprensa destacou os protestos de poucos, espertamente colocados junto dela para causarem repercussão desproporcional.
Pairou sombria a recordação do que fez outro presidente paulista após a cerimônia do Dia do Soldado em um distante 25 de agosto de 1961, achando que não estava à altura da faixa presidencial ou, quem sabe, que deveria ir além dela. O que, recorde-se sempre, lançou o País no caos.
O Brasil precisa enfrentar a hipótese de estarmos descambando para o caos. Talvez seja essa a melhor maneira de evitá-lo. Portanto, é bom soar algum alarme.
Afinal de contas, em tempos de Independência, recordemo-nos de que foi a população ameaçada pela Divisão Auxiliadora portuguesa que fez reunir no Campo de Santana no Rio de Janeiro mais de seis mil brasileiros em armas que animaram o Príncipe D. Pedro a expulsá-la e a proferir o Fico, iniciando a marcha para a nossa emancipação.
Foi a população indignada que respaldou a reação de D. Pedro II perante a humilhação que pretendia nos impor o arrogante embaixador britânico Christie.
Foi a população inconformada que fez o Congresso não aceitar a entrega de fatia do território nacional à Argentina por um governo inseguro nos primeiros dias da República.
Isso serve para nos lembrar que é o povo, e não o governo que transitoriamente o conduz, que decide o destino de seu país.
Curioso país esse Brasil, que por vezes emite sinais tão atípicos quanto aparentemente desconectados dos problemas que o afligem de crise em crise. Não foi da Esplanada engalanada para este 7 de Setembro, como seria de se esperar, que veio o alento simbólico de que o País carece.
Foi do gramado em Manaus, de uma seleção de gente com futuro e das chuteiras de um calejado Neymar Jr. cansado de apanhar que veio o grito que está na garganta dos brasileiros que amam seu País.
Se o brasileiro que protagonizou as maiores manifestações de nossa História não voltar urgentemente às ruas para exigir respeito às instituições, o mal que tomou o País nestes treze anos vai lançá-lo em caos social, econômico e político ainda maior do que o que vivemos.
Reage Brasil! De novo!
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