Petrobras, a vergonha
O balanço agora publicado demonstra a entrega da estatal a aliados incompetentes e o uso dela para uma inédita operação de corrupção
Lorde Acton, o grande historiador inglês, afirmou certa vez que o poder absoluto corrompe absolutamente. Esse poder absoluto muitas vezes resulta da certeza da impunidade, que atinge nesse lamentável episódio executivos da Petrobras e de vários de seus fornecedores.
A história que o balanço da Petrobras conta já era antecipada por todos, exceto a extensão e gravidade dos crimes cometidos. Como foi possível desviar mais de seis bilhões de reais e ninguém perceber? Quem é o responsável em última instância pelos ilícitos cometidos?
Há quem atribua essa lambança à extrema fragmentação da representação partidária em nosso país. É fato que o partido com maior representação na Câmara dos Deputados, o PT, detém apenas 13% do total dos assentos. Para governar, argumenta-se, é preciso formar coalizões com outras siglas, caso contrário seria impossível executar qualquer programa mínimo de governo.
Talvez sim, talvez não. O Brasil não é o único país em que o partido de maior representação é incapaz de governar sozinho. O mesmo acontece em quase todos os países europeus. E é bom que assim seja, caso contrário qualquer sigla com 51% da representação imporia sua vontade e seu programa de governo à sociedade como um todo. Formar coalizões implica em reconhecer a diferença e com ela trabalhar em torno do que têm em comum.
Qualquer que seja a natureza das coalizões formadas, contudo, não se conhece nada parecido com a compra de votos e consciências com recursos provenientes de empresas estatais que ocorreu aqui. De fato, não há notícia de tamanho evento de corrupção como o ocorrido entre 2004 e nossos dias.
Igualmente não se conhece lugar algum em que seis bilhões de reais – quase três bilhões de dólares – tenham sido roubados dos acionistas da maior empresa do país e distribuídos entre partidos políticos, suas lideranças, parlamentares e os próprios executantes dos ilícitos. Entre os acionistas da Petrobras estamos todos nós, leitores, através de nosso representante, o Tesouro Nacional. Nunca dantes na história desse país se roubou tanto, tão descaradamente, cientes talvez seus autores de que ficariam impunes da prática de seus delitos.
Ninguém disse quanto roubou e foi necessário apelar para um cálculo aproximado do valor desviado da Petrobras para que se pudesse apresentar um balanço da empresa e de seus resultados.
O que surgiu é aterrador. Empresa eficiente na exploração, em 2014 apresentou prejuízo superior a 21 bilhões de reais. O valor extraído de contratos que, em sua totalidade, somaram quase 200 bilhões de reais, chegou a mais de seis bilhões de reais.
Além disso, a soma de prejuízos com a construção e compra de refinarias acarretou para a empresa uma perda patrimonial superior a 44 bilhões de reais. A essa perda acresce mais cinco bilhões decorrentes da queda dos preços do petróleo no mercado internacional – ironicamente, a parcela menor desse tsunami financeiro.
A quem beneficiou o crime? Como foi possível surrupiar de uma empresa do porte da Petrobras tão fantástica soma sem que ninguém se desse conta do ocorrido? Nos próximos meses as contas serão examinadas com lupa pelos analistas do mercado.
Em todo o mundo há padrões de custo para plataformas e refinarias e não será difícil a alguém do ramo apontar se os custos das refinarias Abreu e Lima e do Comperj estão próximos do padrão internacional. O mesmo poderá facilmente ser apontado para as demais categorias de compras efetuadas pela empresa.
Será igualmente possível avaliar o que houve de malversação de recursos, desperdícios de toda a ordem na gestão da companhia entre 2004 e 2014. Porque não somente a corrupção é danosa à empresa e seus acionistas, nós brasileiros e também os estrangeiros. Os crimes de má gestão, por executivos de indicação partidária, precisam também ser apurados e seus perpetradores expostos à opinião pública.
Finalmente, a quem beneficiou o crime? Sabemos que o esquema de saque institucional da empresa iniciou-se em 2004 e está reconhecido no balanço agora divulgado. Sabe-se bem quem nomeou os executivos da empresa responsáveis diretos pela execução do assalto. Não será chamado a explicar-se quem os nomeou e quem os manteve nos cargos?
Por fim, é preciso distinguir a empresa dos que foram responsáveis pelos crimes agora apurados. A Petrobras equipara-se tecnicamente a qualquer de suas congêneres internacionais. Detém tecnologia própria de exploração que poucas têm.
Trata-se simplesmente de separar o aparelhamento da maior empresa brasileira, composto por um grupo de aloprados, de um corpo técnico da melhor qualidade. Identificar os aloprados e seus mandantes é o que agora espera a sociedade.
Como disse atual o presidente da empresa, “a gente está com um sentimento de vergonha por tudo o que a gente presenciou”. Nós, o povo, também.