Para entender o problema com a lei de responsabilidade fiscal
A sustentabilidade da economia brasileira está ameaçada pela incapacidade de gerar um déficit primário adequado
Decide-se nesta quarta, na Comissão Mista do Orçamento, a proposta que modifica aspectos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LRF), para permitir que o governo feche suas contas sem infringir a Lei. Após o exame da proposição na Comissão, será enviado projeto de lei ao plenário do Congresso, para aprovação.
Esse trâmite é indispensável, e a revisão dos gastos a serem incluídos e excluídos da apuração do superávit primário é crítica, caso contrário o Executivo incorreria em crime de responsabilidade, previsto na lei.
O objetivo do exercício é abater R$ 116 bilhões de despesas com investimentos e desonerações tributárias, já ocorridas do cálculo da meta de superávit fiscal fixada para o governo central (União, Previdência e Banco Central).
Não há qualquer dúvida de que caminhávamos para o desfecho que acaba de ser por todos percebido: os gastos superaram em muito a receita, e a meta para o superávit primário não será atingida. É o que já vinha alertando a maioria dos economistas profissionais e o Tribunal de Contas da União.
Mais do que identificar os responsáveis pelo ocorrido, creio que é preciso entender porque a obtenção de um superávit primário é estritamente necessária e as consequências de não se conseguir obtê-lo.
A evolução da dívida pública é um dos principais indicadores das condições de solvência fiscal de um país. Não se trata de determinar qual é o nível adequado de endividamento, mas de avaliar se sua trajetória ao longo do tempo é sustentável ou não.
Partindo-se de um dado nível do endividamento, a sua sustentabilidade, geralmente expressa pela relação dívida/PIB, depende da taxa de juros real, do crescimento real do produto e do superávit primário. A primeira dessas variáveis depende da taxa de juros básica fixada pelo Banco Central e das expectativas de inflação dos agentes econômicos. A taxa de crescimento real da economia é o resultado de um grande número de variáveis e não pode ser fixada pelo governo.
O problema da política econômica, portanto, reside em determinar, dadas as condições da economia em um dado momento, qual o superávit primário mínimo necessário para assegurar a sustentabilidade da dívida pública.
O Tribunal de Contas da União (TCU) apurou que no exercício de 2013 a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), publicada pelo Banco Central do Brasil (Bacen), e que abrange União, estados, Distrito Federal e municípios, aumentou R$ 164,1 bilhões e chegou a R$ 2.747,9 bilhões, ou 56,8% do Produto Interno Bruto (PIB).
Estudos mostram que, com um endividamento da ordem de 56% do PIB, o valor do superávit primário mínimo, que garantiria a manutenção do percentual da dívida em relação ao PIB, é superior a 3% do PIB. Qualquer valor inferior a esse percentual levaria a um crescimento da dívida e pioraria a percepção de sua solvência pelos investidores nacionais e estrangeiros.
O problema, contudo, não se resume em obter um superávit de 3% do PIB. A maior parte dos exercícios conhecidos toma como premissa um crescimento do PIB muito superior ao observado na média dos últimos quatro anos e que agora está muito próximo de zero, o mesmo ocorrendo com as expectativas para o crescimento do PIB em 2015.
Também a evolução da taxa de juros e do câmbio afetam o valor do superávit a ser obtido pelas autoridades. O dólar vem se desvalorizando nas últimas semanas, e os juros futuros no mercado financeiro estão em alta. Ambos pioram as condições das contas públicas e exigem um saldo primário maior para que se mantenha estável a relação dívida/PIB.
Os resultados obtidos nos últimos anos têm levado ao emprego de instrumentos pouco convencionais, como a antecipação de dividendos das empresas estatais e a concessão de crédito subsidiado a bancos oficiais.
Essas operações têm como consequência a estabilização da dívida líquida, mas ampliam a dívida bruta, sobre a qual incidem juros e encargos, pela diferença entre a taxa pela qual a União vende seus títulos (Selic) e a taxa que a União recebe das instituições financeiras oficiais e de outros programas de fomento, a TJLP.
Entre 2002 e 2008, o país foi capaz de gerar superávits fiscais superiores a 3% do PIB. Esse indicador reduziu-se a pouco mais de 2% em 2009 e voltou ao patamar de 3%, mercê do forte crescimento em 2011. Daí em diante, o superávit primário despencou para 2,38% em 2012 e 1,89% em 2013. Especula-se se seu valor será positivo ou negativo em 2014.
Há uma inevitável conclusão a tirar dessa análise: o patamar atual do superávit primário é incompatível com uma trajetória sustentável da dívida