Oportunidade perdida
O Brasil poderá ter muito a ganhar com a eleição de Mauricio Macri para a presidência da Argentina. Há muitas razões para otimismo.
Em primeiro lugar, porque Macri rompe a sucessão de mandatos do casal Kirchner. No poder, o casal praticou o que há de pior no populismo peronista.
Como todo regime populista, procurou sempre praticar políticas econômicas na contramão de tudo o que está nos manuais elementares dessa ciência. Tabelou preços, taxou exportações, interveio na gestão do Banco Central da República Argentina, entre inúmeras outras estripulias.
As consequências desses desmandos não tardaram a aparecer. Quando surgiram, o governo da presidente Cristina de Kirchner não se fez de rogado, varrendo para debaixo do tapete os sinais evidentes dos erros acumulados: com total sem-cerimônia forjou índices de preços que minimizavam a inflação.
No comércio exterior, as diversas intervenções levaram à perda das reservas internacionais e uma situação de grave perda de liquidez externa.
No trato com os credores, o kircherismo deu um calote na dívida externa, impondo aos credores um substancial desconto do valor livremente pactuado. Quando alguns deles levaram o caso à corte de Nova Iorque, foram chamados de “abutres” por exercerem o direito de pleitear o que era devido.
Nas relações com os vizinhos na América do Sul, os Kirchner apoiaram abertamente regimes infensos às manifestações democráticas. Por interesse ou convicção, tornou a Argentina parceiro preferencial do chavismo, em sua versão original e nas versões dos sucedâneos.
Contra tudo isso insurgiu-se o povo argentino ao eleger Mauricio Macri. Em sua campanha eleitoral, Macri afirmou publicamente que, se eleito, proporia o afastamento da Venezuela do Mercosul por repetidas afrontas ao regime democrático.
Para tal valeu-se do firmado no Protocolo de Montevidéu sobre o compromisso com a democracia no Mercosul, chamado de USHUAIA II, firmado por ocasião da XLII Reunião do Conselho Mercado Comum e Cúpula de Presidentes do Mercosul e Estados Associados – cláusula apropriadamente chamada de “democrática”.
Noticia-se agora que será difícil para o presidente recém-eleito obter a simpatia dos demais sócios e membros associados do Mercosul para essa iniciativa. A suspensão da Venezuela necessita decorrer de decisão unânime dos demais membros do bloco.
Cada país membro do Mercosul pode ter suas razões para não aderir à proposta de Macri. O Paraguai, por exemplo, está em negociações para renegociar dívida da Petropar, a Petrobras do Paraguai, com a PDVSA, estatal petrolífera venezuelana.
O presidente uruguaio Tabaré Vásquez não encontrará apoio político em seu partido para acompanhar Macri, mesmo que assim deseje. Situação semelhante é vivida no Chile, com o governo dividido e impossibilitado de tomar decisão de tal envergadura.
A ocasião, contudo, mostra-se oportuna para que o Brasil assuma um papel relevante nessa discussão. Não somente porque a Argentina é parceiro preferencial brasileiro, com laços mais estreitos e permanentes que os que temos com os demais países do continente.
Há também uma questão moral da qual não podemos fugir: é compromisso fundamental do povo brasileiro a manutenção da democracia, não somente dentro de nossas fronteiras, mas também sustentá-la pelo apoio moral fora delas.
No episódio do afastamento legal do ex-presidente Lugo do Paraguai assumimos posição vergonhosa ao aplicar, sem razão, a cláusula democrática ao vizinho Paraguai – revivendo nos corações e mentes paraguaias a Tríplice Aliança. Agora, há razões concentras para a legítima aplicação da cláusula, já o governo de Maduro é, nas palavras da presidente do Partido Socialista chileno, a senadora Isabel Allende, o governo de Maduro é uma “uma ditadura militar”.
Não tenho ilusões, contudo, com respeito à posição que tomará o nosso governo. Persistiremos em ignorar o tratamento dado a presos políticos na Venezuela e o cerceamento das liberdades democráticas no país. Voltaremos as costas ao presidente argentino, que ficará isolado quando os demais países do Mercosul alegarem que estarão acompanhando a decisão do Brasil.
Perderemos assim uma oportunidade de estreitar nossos laços com o novo governo argentino, que se ressentirá de nossa falta de apoio em sua primeira iniciativa diplomática no continente.