O mundo no fim do ano
Estamos num acúmulo de incertezas, nas áreas da segurança, da diplomacia e sobretudo do preço do petróleo
Em nosso pequeno mundo brasileiro, acompanhamos com contínua estupefação a escala da corrupção na Petrobras. Não se sabe como tudo isso irá terminar, já que desconhecemos se estamos diante de um iceberg ou somente de sua ponta. A cada dia a segunda hipótese torna-se mais realista.
Enquanto isso, também estamos tendo dificuldade de entender o mundo, embora por outros motivos. Há duas razões para isso: primeiro, o pano de fundo mudou, já que pela primeira vez na história, participa do mercado a quase totalidade da população mundial.
As atuais fronteiras são agora porosas não somente para o comércio e os investimentos, mas também para pessoas, para o crime, para o trânsito de informações e de dinheiro, para a compra e venda de armas, e para a poluição e as pandemias locais que afetam a todos. Segundo, o quadro da energia mudou completa e rapidamente, afetando todas as dimensões das relações entre os Estados.
Diante de tudo isso é compreensível a dificuldade de instituir uma nova ordem internacional. Há ambiguidades para todos os gostos. A política externa dos Estados Unidos não está clara mesmo para os americanos. A sua agenda, como apontou Jessica Tuchman Mathews, não pode ignorar pelo menos quatro grandes países: Irã, Síria, Rússia e China. Não deixa de ser indicativo que dos quatro países, dois estejam no limitado espaço geográfico do Oriente Médio.
Com relação ao Irã, a prioridade deve ser a de chegar a um acordo sobre o programa nuclear iraniano e suspender as sanções econômicas até aqui impostas ao país. A dificuldade pode estar do lado iraniano, mas é acentuada pela ambiguidade da Arábia Saudita e dos Emirados do golfo pérsico diante de duas alternativas intragáveis: um acordo dos EUA com o Irã ou, caso não chegue a bom termo, conviver com um Irã nuclear.
Com relação à Síria, os Estados Unidos têm se mostrado ambivalentes, ora condenando, ora veladamente apoiando o presidente sírio, Bashar al-Assad. Em algum momento os EUA terão que tomar partido, mais não seja para impedir a tomada de todo o país pelo Estado islâmico. Por seu turno, A incapacidade de encontrar-se alguma alternativa para o conflito de Israel com seus vizinhos potencializa a desestabilização na região – como se ela fosse necessário.
Finalmente, a China vem interpretando todos os passos tomados pelos EUA na Ásia como uma política de contenção de um questionável expansionismo chinês. Esta, por vez, ora dá mostras de pretender um papel hegemônico reservado a grandes potências, especialmente no Mar do Sul da China, ora parece indicar o oposto.
O pano de fundo econômico e de prazo mais curto também mudou, de forma radical, como já se comentou em outras ocasiões nesse espaço: já há quem aposte que o preço do petróleo poderá estabilizar-se em torno de 40 dólares por barril. Todas as economias serão afetadas, algumas para melhor, outras para pior.
A China provavelmente será a mais beneficiada, já que a nova política de Xi Jinping enfatiza o mercado interno e o consumo. Preços do petróleo mais baixos beneficiarão também todos os demais países liquidamente consumidores, penalizando os mais dependentes de sua exploração e exportação.
O que dizer das demais regiões do planeta? Ao sul da China, a Índia se sente, como sempre, ameaçada pelo Paquistão e pelo vizinho ao norte, e mostra-se incapaz de dar solução à endêmica corrupção no país. No oriente da China, o Japão patina na estagnação e não consegue chegar a termo com seu passado na segunda guerra mundial – o que dificulta o relacionamento com a China.
Quanto à Europa, diante dos graves problemas internos de desequilíbrios econômicos, questões relativas à sua própria segurança em um mundo cada vez mais multipolar tornam-se secundários.
Sem definir-se como parte da Europa, para a Rússia o baixo preço do petróleo é a maior ameaça no curto prazo. Não que os custos das sanções econômicas impostas pelo Ocidente sejam irrelevantes, mas para um país que depende do petróleo e gás para sobreviver será difícil conviver com preços baixos por um longo tempo – especialmente depois que o mercado para o gás na Europa Ocidental contraiu-se.
Moral da história: estamos a caminho de uma nova ordem internacional, ainda mal definida, distinta daquela a que chegaram os países europeus em Vestefália em 1648. Então, o que se passava dentro das fronteiras de um Estado era assunto somente seu, sem admitir-se a ingerência de terceiros. Estamos mais perto hoje de uma ordem em que predomina o cada um por si. Sem termos a certeza de que Deus vela por todos.