O modelo esgotou-se
A afirmação é incorreta porque subentende que o modelo foi correto no primeiro mandato mas tornou-se inapropriado no segundo
Tem razão e não tem a senhora presidente ao afirmar que o modelo esgotou-se. A afirmação foi feita na abertura dos trabalhos das Nações Unidas e referia-se, é claro, ao modelo econômico do chamada "nova matriz econômica" adotado por ela em seu primeiro mandato. Como uma afirmação pode estar correta e incorreta ao mesmo tempo? -perguntará o leitor.
A afirmação é incorreta porque subentende que o modelo foi correto no primeiro mandato mas tornou-se inapropriado no segundo -- Deus sabe porquê. Mudou o Natal, como diria Machado de Assis, ou o modelo estaria inadequado desde o início?
Não que à "nova matriz econômica" carecessem fundamentos econômicos. Partia o modelo agora esgotado de uma fundamentação básica: o problema brasileiro era a falta de demanda, tanto de consumo como de bens de capital -- estruturas e máquinas.
Se consumidores e investidores não demandavam o suficiente para manter a economia em crescimento, caberia ao Estado prover os incentivos necessários para que a demanda emergisse.
Uma vigorosa expansão do crédito era um dos instrumentos mais importantes para atingir o objetivo de expandir a demanda. O crédito permite consumir agora e pagar depois, em suaves prestações. É claro que é desejável que por trás do crédito concedido haja poupanças para sustentá-lo.
Quando o crédito se expande sem que haja poupanças prévias há que encontrar-se outros recursos para financia-lo. Podem ser recursos do Tesouro Nacional transferidos a bancos públicos ou outras fontes oriundas do setor público. Não importa. O que importa é que o crédito não dá em árvores e se alguém toma emprestado, outro dispôs de recursos para o financiamento.
Outro aspecto importante a considerar é a razão por que era necessário tomar medidas de política econômica no primeiro mandato para expandir a demanda. No final da década de 1920 dois ícones da economia de então, Friedrich Hayek e John Maynard Keynes assumiram posições opostas com relação ao que fazer para combater uma recessão na economia.
Para Hayek, ocorriam recessões depois de períodos de rápida acumulação de residências, bens de consumo duráveis e bens de capital. Para ele, como para outros, as recessões refletiam períodos necessários de liquidação de um excesso de investimento anterior. para os defensores desse ponto de vista, o governo não deveria interferir, já que a intervenção do governo apenas adiaria a solução do problema, tornado maior pela própria postergação da solução.
Para Keynes, as recessões se caracterizariam por períodos de deficiência de demanda. Nessa circunstância, a solução seria a intervenção do governo sob a forma de uma política fiscal expansionista.
Nosso caso reflete uma terceira opção: a recessão é consequência de uma persistente expansão da demanda sem a contrapartida da correspondente expansão da oferta.
A afirmação da senhora presidente torna-se estritamente correta, contudo, se entendida no contexto eleitoral. A senhora presidente precisava manter o modelo para manter a economia aquecida e, com isso, reeleger-se. Não importou que os resultados da nova matriz econômica não eram sustentáveis, como apontou a esmagadora maioria dos economistas profissionais.
Tratava-se, no plano econômico, de uma pedra filosofal. Seus assessores mais próximos deveriam tê-la avisado para onde sua política econômica conduzia o país. Se a presidente se deixou enganar, tanto pior.
A verdade é que, vedada a possibilidade de concorrer a um terceiro mandato, a esdrúxula matriz econômica perdeu utilidade -- o modelo esgotou-se no dizer da senhora presidente. O que fazer agora, quando toda a nação percebeu que foi enganada?
O esgotamento do modelo não apresenta uma saída palatável para a senhora presidente e, principalmente, para seu partido e virtual candidato, o ex-presidente Lula. Um ajuste fiscal rápido estava nos planos. O problema é que o rombo não comporta soluções fáceis e de curta duração sem profundas reformas. Boa parte das benesses distribuídas se mostraram ilusórias e terão que ser revertidas.
O modelo requerido para substituir o que esgotou-se não tem amparo no próprio partido da senhora presidente. Sua base refuta o novo modelo, por receio das suas consequências eleitorais.
Pior, ainda que adotado, somente mostraria resultados depois de 2018, o ano da eleição. A verdade é que, para o PT e a senhora presidente, se ficar o bicho pega, se correr o bicho come. Para nós que pagaremos a conta de tantos desatinos, resta a conta.