O jogo dos sete erros
O que estava em jogo na votação do Congresso era a possibilidade de que naufragasse totalmente o ajuste fiscal, caso os vetos fossem derrubados
Há vinte anos era comum os jornais publicarem, lado a lado, dois desenhos idênticos, exceto por sete mínimas alterações. O jogo consistia em comparar os dois desenhos e identificar em que diferiam.
Na votação ocorrida no Congresso Nacional que se estendeu pela madrugada do dia 23, ficou a impressão de que o Executivo havia ganhado a batalha e finalmente dado início ao tão esperado ajuste fiscal. Mais explícito, o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral do PT do MS afirmou, referindo-se às próximas votações dos vetos presidenciais, que “temos condições de manter essa mobilização. Houve uma demonstração da Câmara de força hoje, isso é inegável”.
Antes da votação já havia ficado também a impressão de que a presidente Dilma havia recomposto sua base de sustentação no Congresso ao trazer de volta um relutante PMDB. Preservar a base é indispensável, já que pelo andar da carruagem há nuvens pesadas à frente.
O primeiro erro dessas interpretações é o de afirmar que o Executivo ganhou alguma coisa com a manutenção dos vetos. Os vetos já haviam sido apostos e essa era a situação original.
O que estava em jogo era algo muito diferente, a possibilidade de que naufragasse totalmente o ajuste fiscal, caso os vetos fossem derrubados. Nessa circunstância não haveria vencedores em lado algum, já que não haveria cortes ou aumentos de tributos suficientes para cobrir o aumento do rombo das contas públicas, estimado em R$ 128 bilhões que seria acrescentado entre 2015 e 2019. Ninguém gostaria depois de ser acusado de ter posto fogo no circo com todo mundo dentro.
Segundo: o retorno ao status quo anterior, no entanto, é parcial. Nem todos os vetos foram mantidos. De particular relevância é o fato de que o reajuste de 59,5% dos salários dos servidores do Poder Judiciário escalonado nos próximos quatro anos não entrou em votação. A sessão foi suspensa por falta de quórum para que esse veto fosse apreciado.
Esse tema é o de maior relevância para o ajuste fiscal, dada a magnitude dos valores envolvidos. Quer tenha razão ou não o senador Delcídio Amaral, há muito chão ainda a percorrer para voltar a apreciar-se não somente esse, mas outros cinco vetos e a correção dos benefícios previdenciários pelo percentual de correção do salário mínimo.
Por outro lado, há o que comemorar com a manutenção do veto à modificação legislativa que na prática acabava com o fator previdenciário. Esse mecanismo, embora imperfeito, pelo menos impedia que o déficit da previdência aumentasse ao longo do tempo com as aposentadorias precoces.
Terceiro: no quesito da mudança do ministério o grande vencedor foi o PMDB, que agora será aquinhoado com dois dos mais importantes ministérios em termos de orçamento: o da Saúde e o da Infraestrutura. As eleições municipais já estão à vista e quem controla esses ministérios sai bem na frente na distribuição dos gastos nos municípios com recursos do orçamento da União. Aqui, se há um grande perdedor é o partido da senhora presidente, o PT.
Quarto: outro erro é imaginar que com a manutenção dos 26 vetos o governo retomou a governabilidade. Quando se debruçar sobre o que falta ser feito verificará que retornará à estaca zero.
Seu projeto atual é superar o extraordinário e incompreensível erro político de enviar ao Congresso um projeto de lei orçamentária com um déficit nominal estimado de mais de R$ 30 bilhões.
Essa “esperteza” de tentar transferir ao Congresso atribuição que é privativa do Executivo foi um tiro no pé – o Congresso pode ser tudo, menos estúpido. O resultado líquido foi a perda do grau de investimento conferido por uma das três agências de classificação de riscos soberanos.
O desafio agora é transmutar o déficit em um superávit primário de 0,7% do PIB, algo em torno de R$ 44 bilhões. Primeiro, não se trata de café pequeno, dadas as magnitudes envolvidas. O novo saldo positivo seria composto de R$ 25 bilhões de cortes de despesas e R$ 40 bilhões de aumentos de tributos.
Quinto: o problema não fica só no fato de que o peso maior recai sobre os cidadãos contribuintes. Há muito pouco de cortes efetivos de despesas no número apresentado. Parte dele resulta de adiamento da data de reajuste dos salários dos servidores e os outros cortes são pequenos, totalizando talvez pouco mais de R$ 12 bilhões – caso o partido da senhora presidente aprove as medidas que atingem os servidores públicos federais.
Sexto: caso seja bem-sucedido, o “ajuste” proposto, centrado no aumento da já insuportável carga tributária, aumentará ainda mais a recessão e o desemprego.
Sétimo e último: de tudo isso resulta que aumentará a dívida pública e se turbinará o aumento dos juros.
Haveria muitos outros erros a identificar, mas ficamos por hoje por aqui.