O intenso fogo amigo
O partido da presidente e as centrais sindicais se opõem ao ajuste fiscal e podem atingir a classificação do país nas agências de risco
De duas uma: ou o partido da senhora presidente e o movimento sindical pretendem implodir o governo ainda durante o atual mandato ou estão simplesmente jogando para a torcida na questão do ajuste fiscal.
Explico: quando o presidente Ernesto Geisel conduzia o processo de abertura, então política de governo e indispensável para uma transição pacífica de regime, espíritos mais exaltados rebelaram-se contra o processo.
Ao conjunto desses espíritos inflamados, o general presidente denominou de “bolsões sinceros, porém radicais”.
Que estamos diante de bolsões radicais contra as medidas de ajuste da equipe econômica, não resta qualquer dúvida. A questão é saber até que ponto são sinceros.
Digo isso porque não é cabível que não percebam que a persistência do desequilíbrio fiscal desencadeará uma cadeia de eventos totalmente incompatível com a manutenção do poder que conquistaram.
O primeiro desses eventos já foi colhido: a cotação do dólar comercial disparou e atingiu nessa terça-feira a marca de R$ 2,83, a maior cotação em mais de dez anos. No câmbio turismo, a cotação ultrapassou os três reais.
É claro que razões externas também afetaram a taxa de câmbio, que respondeu parcialmente ao aumento da aversão ao risco no exterior – lá a situação também está suficientemente confusa, com as difíceis renegociações da dívida grega e os combates na Ucrânia.
Mas é aqui mesmo que devemos situar a principal causa da escalada do dólar. Questionar a política de ajuste fiscal do governo é o mesmo que dizer que teremos mais inflação à frente e aumento de impostos. Tudo que havia sido dito que não seria feito. De quebra, estamos diante do risco de uma crise elétrica e da falta de água em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Na cadeia de eventos deflagrados pela oposição da base do governo ao ajuste fiscal poderá vir a perda do grau de investimento. É possível que os que se opõem ao ajuste não se deem conta do que isso implica, ou simplesmente não saibam de que se trata.
Explico: a classificação de risco realizada por agências especializadas serve para balizar o valor do crédito de emissões, tanto de dívida pública emitida por governos como de instrumentos de crédito emitidos por empresas públicas e privadas.
Há uma graduação nessas “notas”, importando aqui apenas apontar que as diversas classificações pertencem a duas grandes categorias. Na primeira categoria estão os países que gozam de grau de investimento, e na segunda os que são classificados como grau especulativo.
Desde abril de 2008 o País é considerado grau de investimento. Até então estava classificado como grau especulativo. A importância dessa classificação não pode ser subestimada.
Países e empresas detentoras de grau de investimento pagam taxas de juros menores que os classificados como grau especulativo, já que no caso desses as taxas cobradas embutem um percentual necessário a cobrir o risco de incumprimento de seus compromissos financeiros.
Pior, muitos fundos que operam no mercado financeiro internacional são proibidos de emprestar a países e empresas que detêm grau especulativo.
Não se está cogitando que o Brasil possa perder o grau de investimento no futuro próximo. Ocorre, no entanto, que o mercado não espera que as agências classificadoras de risco deem suas notas para avaliar o risco de emprestar.
Fatores como a queda no PIB, o retorno da inflação, o déficit no balanço de pagamentos e a situação política interna sinalizam risco que são adequadamente avaliados pelos fornecedores de recursos.
Corremos um risco iminente, esse sim, de redução da nota de risco da Petrobras, por razões sobejamente conhecidas. Essa possibilidade, sem dúvida, já está refletida nas dificuldades da empresa em captar recursos no exterior para financiar o seu programa de investimentos.
Além disso, uma eventual perda do grau de investimento pela Petrobras não ajudará a manter o grau de investimento do País.
Finalmente, na cadeia de eventos iniciada com a desvalorização do real frente ao dólar e as dificuldades com a manutenção do grau de investimento nos próximos quatro anos seguem-se outros problemas internos.
A inflação já aponta para a aceleração, em decorrência da correção dos preços defasados e do enorme excesso de gastos praticados nos últimos quatro anos, em particular no último.
Ninguém faz um ajuste fiscal porque gosta. Ele decorre dos excessos anteriormente praticados. Quem bem situou a necessidade do ajuste foi o ministro da defesa Jaques Wagner, em resposta ao fogo amigo.
Segundo ele, “não dá para andar a 120 km por hora o tempo todo. Fizemos um pit stop. Estamos colocando combustível para arrancar de novo.” Simples assim. Disse tudo.