O desafio do conservadorismo brasileiro
O Brasil está vivendo o resgate do senso comum. Algo que se pode denominar de conservadorismo e que está muito longe de ser reacionário, retrógrado ou anacrônico, como pretendem os progressistas do atraso
As ideias defendidas por Jair Bolsonaro ao longo de sua vitoriosa campanha presidencial são extremamente significativas, tanto pelo potencial de reanimação da economia, quanto pelo atendimento às demandas da sociedade por mudança na vida nacional.
Moralidade pública, trabalho, segurança e família são apelos muito fortes que calam fundo à maioria das pessoas no Brasil.
Moralidade pública, pelo decoro, probidade e transparência. Trabalho, pela sua dignificação, remuneração e extensão ao maior número de brasileiros. Segurança, pessoal, jurídica e da propriedade. Família, a instituição fundamental para a formação, assistência e educação das pessoas.
Faz sentido, portanto, o futuro governo sinalizar, ao lado da reforma que a economia e a política necessitam, uma agenda de valores, atitudes e comportamentos que dê sustentação ao desenvolvimento do País.
Na verdade, mais do que alinhadas, a reforma politico-administrativa e a agenda social deverão estar completamente integradas, pois serão as ideias que impulsionaram a campanha de Jair Bolsonaro que darão alento à implementação das reformas de que necessita o Estado brasileiro.
Daí a importância de se manterem muito vivas essas ideias, sempre de acordo com as acepções e percepções do imenso público que votou pela mudança. Sem, no entanto, constituírem uma doutrina, ou pior, uma ideologia. O Brasil é grande, complexo e diversificado demais para isso.
E o momento é de todo oportuno para a discussão dessas ideias, enquanto o novo governo não se instala.
Até porque, apelando a uma metáfora militar, é antes do ataque que se debatem as linhas de ação para se chegar à decisão. Depois de transposta a linha de partida, em 1o de janeiro, uma vez iniciado o “ataque” aos enormes problemas nacionais, restará aplicar as condutas, aquelas variantes, flexibilizações e mesmo improvisações que, por mais brilhantes que sejam, só prosperam por sobre um plano bem elaborado, aquilo que, no dizer de Eisenhower, é tudo que resta a um general antes da batalha.
Como também é importante a forma pela qual essas ideias serão apresentadas e discutidas pela sociedade, com a extensão e a profundidade que merece a cidadania. Não precisamos, por falta de compostura e respeito, capitular ao juízo ácido de Umberto Eco sobre a legião de imbecis liberada pelas redes sociais.
Os responsáveis pelo desastre que se abateu sobre o País, derrotados nas urnas, tentam agora negar as distorções que existem na educação, na cultura e na formulação de políticas.
Pedantes em seu pseudoconhecimento colonizado pela ideologia, autodenominam-se progressistas, mesmo agarrados ao que de mais atrasado possa existir no campo das ideias, aqui e lá fora. Ainda poderosos, por conta das sinecuras com que aparelharam instâncias públicas e privadas, não aceitam o rompimento dos paradigmas do pensamento único.
O Brasil está vivendo não um movimento pendular, mas sim o resgate do senso comum. Uma retomada do bom senso, da normalidade e da estabilidade; política, econômica e social. Algo que se pode denominar de conservadorismo e que está muito longe de ser reacionário, retrógrado ou anacrônico, como pretendem os progressistas do atraso.
Ser conservador é defender a consecução e a manutenção de uma vida social harmônica em seu próprio tempo e circunstâncias. Para o que é imprescindível estar consciente desse tempo e circunstâncias, o que só pode ser percebido pela História.
História que o Brasil tem e de cuja leitura se pode extrair o que seja o conservadorismo brasileiro, uma continuidade na busca por equilíbrio que perpassa fatos, acontecimentos e desenvolvimentos históricos de nossa formação e evolução.
Socialmente, o Brasil é conservador, porque o é historicamente. Não por que não tenham acontecido mudanças, e até rupturas, na linha de evolução política da Nação. Mas sim por que o País conservou a sua identidade ao longo desse processo, de maneira peculiar à sua cultura.
Mas, se por um lado, existe a percepção dessa identidade nacional, por outro, falta-nos o conhecimento dela. Depois de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Pedro Calmon, pouquíssimos intelectuais se dedicaram seriamente à explicação do Brasil. E nesse deserto de ideias não foi difícil desconstruir a ideia de Brasil.
Será, no entanto, um equívoco tentar preencher esse vazio cultural com ideias e experiências peculiares às culturas de outros países. Cada um tem a sua História. E uma formação e evolução correspondente a ela.
No caso do Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, França e Inglaterra, algumas instituições tiveram um papel determinante na cultura nacional: igreja, exército e família.
Igreja católica, o eixo histórico do cristianismo no País e a catalisadora dos diferentes contingentes humanos que formaram a população brasileira.
Exército, entendido como as forças de defesa da terra, das quais o atual exército regular e permanente herdou a tradição dos seus feitos e o compromisso com a Pátria há mais de trezentos e cinquenta anos.
Família, elemento constituinte da sociedade que, de tão importante, desdobrou-se além dela própria na cordialidade, o traço sociológico da amizade brasileira.
Ainda que em nosso Estado democrático de direito a igreja, o exército e a família estejam ao largo da política partidária, como instituições fundamentais para a moral da sociedade, elas jamais serão ignoradas pelas distintas vertentes do pensamento nacional.
Seja com o intuito de dominá-las, como tentou a esquerda revolucionária, seja para entendê-las, como deve fazer quem realmente quer entender o País.
O primeiro passo para a retomada do pensamento conservador no Brasil é conhecê-las para metabolizar a compreensão do País e então constituir um autêntico corpus teórico que inspire políticas públicas à altura dos desafios nacionais.
Como muitos problemas que enfrentamos, a questão é o conhecimento. Neste caso, conhecimento do Brasil sobre si mesmo.
FOTO: Biblioteca Nacional/Reprodução
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