O custo das pedaladas
Caso se veja forçado a corrigi-las, ressarcindo os bancos públicos dos recursos que lhes são devidos pela União, estaremos falando de um déficit em torno de R$ 100 bilhões
Acredite leitor: o governo está revendo novamente a estimativa do déficit público para esse ano, agora tentativamente estimado em R$ 60 bilhões. O governo já havia anunciado a intenção de ter uma “meta móvel” –seja lá o que isso signifique– para o saldo primário das contas fiscais.
Agora estamos vivendo um período de déficit móvel. Explico: inicialmente havia sido fixada uma meta de superávit primário positivo de 1,1% do PIB. Posteriormente, em julho, anunciou que a meta havia sido revista para baixo, com saldo (ainda positivo) de 0,15% em 2015.
Ao contrário da inflação, que só sobe, a estimativa do saldo foi encolhendo até que se tornou negativa. Os números são de dar medo. O saldo negativo do governo central está projetado para R$ 5,18 bilhões.
Há uma expectativa de que a licitação de usinas hidroelétricas gere um total de R$ 11,1 bilhões. A esse valor, há também uma estimativa de que os Estados e municípios, juntos, produzam um saldo positivo de R$ 2,9 bilhões.
E nada dessas expectativas positivas se materializar? Nesse caso extremo, em que a queda das receitas dos governos subnacionais não atingir os valores projetados e não se consiga licitar as hidroelétricas, estaremos caminhando para um déficit consolidado superior a R$ 60 bilhões.
Os ministros da Fazenda e do Planejamento encaminharam ontem ao Congresso Nacional documento alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano, de forma a permitir mudanças na própria Lei Orçamentária.
Conforme estipulado no documento, a nova meta de saldo primário para o setor público consolidado projeta déficit de o,85% em substituição ao superávit anteriormente fixado em 0,15% do PIB.
A justificativa para essa radical mudança é a frustração da arrecadação nesse ano. Ajudam a compor o quadro negativo para a as finanças públicas a grande incerteza quanto à capacidade de gerar as chamadas receitas extraordinárias, a serem obtidas principalmente com licitações.
É também significativo, nesse contexto, que a revisão da LDO não contemple uma mudança para menos das despesas do setor público consolidado. Todo o exercício desemboca, portanto, em gerar um aumento da dívida pública para cobrir o saldo negativo inédito nas contas públicas do País.
O pior, contudo, não para por aí. Caso se veja forçado a corrigir as “pedaladas fiscais” ressarcindo os bancos públicos dos recursos que lhes são devidos pela União, estaremos falando de um déficit em torno de R$ 100 bilhões.
Não sei se o leitor consegue fazer uma imagem mental do que isso representa. Qual seria o volume ocupado por pilhas de cédulas de cem reais, empilhadas até totalizarem R$ 100 bilhões. Se conseguir, estará diante de um quadro mental aterrador.
Em tudo isso, tem razão os ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa quando afirmam que o quadro recessivo da economia nada tem a ver com o tímido ajuste fiscal ora em curso.
A desaceleração da atividade econômica é antiga e remonta a 2013. A queda propriamente dita começou a ocorrer no último trimestre do ano passado, anterior, portanto, às medidas até agora postas em prática pelo governo.
Corrigir os erros acumulados não será fácil. De 1991 a 2014, a despesa primária do governo central cresceu 9 pontos de percentagem do PIB. Esse aumento foi da ordem de R$ 512 bilhões.
Desse total, quase 80% tiveram origem na expansão de programas de transferência de renda: Benefício Mensal de Prestação Continuada, seguro-desemprego e abono salarial, Bolsa Família, INSS e aposentadorias de servidores públicos.
Para agravar esse quadro, nos últimos três anos foram criados novos programas, como subsídios, tanto setoriais como para o Minha Casa Minha Vida, e a desoneração da folha de salários.
O ajuste que está por vir deverá impedir a manutenção de déficits primários nos próximos anos. Ainda que ocorram cortes de despesas correntes aqui e ali, não serão suficientes para retomar o equilíbrio das contas públicas. Não se trata de escolher A ou B para gerir o problema. Não é um problema de gestão.
Trata-se de um problema estrutural cuja solução requer modificar a dinâmica de crescimento da despesa pública. Reformas profundas precisam ser postas em prática pelo Congresso para evitar o crescimento explosivo dessa despesa – o que implica mexer nas vinculações orçamentárias e nas próprias regras de crescimento da despesa.
Fácil de dizer, difícil de executar, especialmente em um momento como esse em que não há sustentação política firme do Executivo no Congresso.