O bode na sala
E se a tentativa de reintrodução da CPMF for parte do processo de fritura do ministro Joaquim Levy promovido pelo PT e por todos os descontentes com o ajuste econômico? Se assim for, a coisa está ainda pior do que se poderia imaginar.
O que explicaria estar-se cogitando o retorno da famigerada CPMF? Creio que há três possíveis alternativas para o alarido em torno do assunto.
A primeira tem a ver com a “síndrome do bode na sala”. Para quem não se recorda, conto de forma breve a história que teria se passado na extinta União Soviética.
Em um apartamento anteriormente ocupado por um casal e sua filha, viviam agora três famílias. Como seria de supor, a vida torna-se difícil para todos, com a forçada convivência e os males causados pela superlotação. Não mais suportando a situação, os moradores dirigiram-se ao comissário do quarteirão para que encontrasse uma solução para o problema. Passaram-se três dias e então volta o comissário trazendo um bode e incontinente deixa o animal no apartamento e se retira.
A situação, de difícil passa a insuportável. O convívio torna-se mais acerbo e novas queixas são dirigidas ao comissário, que faz ouvido mouco às reclamações, agora desesperadas dos moradores.
Passa-se uma semana e o comissário parte levando o bode. Instala-se a felicidade na residência e todos respiram aliviados. O grande problema havia sido solucionado, para a alegria de todos.
Seria o anúncio do possível retorno da CPMF um bode na sala do programa de ajuste? Ficaremos felizes quando a ameaça for retirada e tivermos que somente conviver com a inflação alta e o emprego e a renda em baixa?
Pode não ser nada disso; o colunista pode simplesmente ter tido um acesso de desconfiança e considerado que desse governo pode vir qualquer coisa, desde que não seja boa. Se for assim, mal menor.
Porque há uma segunda alternativa: a coisa é para valer. Pode ser real a intenção de reintroduzir a contribuição sobre a movimentação financeira, dessa vez sob o formato de tributo em vez de contribuição.
Isso permitiria partilhar a receita, estimada em R$ 84 bilhões pelo governo, com estados e municípios – no interregno obtendo o apoio dos mandatários das unidades subnacionais para essa “reforma” tributária.
Não importa. Se o Executivo de fato encaminhar ao Congresso um projeto de emenda constitucional contendo a proposta de um tributo temporário com as mesmas características da extinta CPMF, é dever do Congresso rejeitá-lo. É dever em particular dos partidos de oposição mostrar firmeza no repúdio a esse novo assalto ao bolso contribuintes, já mais que suficientemente arrochados pelos demais tributos e contribuições. Que fique somente com o PT e outros partidos da “base” a responsabilidade de explicar ao povo porque, em lugar de cortar na própria carne, querem esfolar os contribuintes.
Surpreende que o Executivo continue autista diante do repúdio da opinião pública à atual gestão. Estarão pretendendo reduzir os 7% de aprovação da senhora presidente a zero? Terá Sua Excelência um inimigo infiltrado em seu governo a sugerir medidas eficazes para incompatibilizá-la até com os 7% que ainda a apoiam?
Será que imaginam que o povo é tão estúpido ao ponto de não perceber que o governo que aí está vai continuar subsidiando pesadamente segmentos selecionados da indústria aqui instalada e apresentando a conta para todos os brasileiros?
O caso da indústria automotiva, que não é único, é exemplar. Segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura, de 2009 até agora os diversos incentivos à essa indústria totalizaram R$ 56,4 bilhões, valor equivalente a dois anos de Bolsa Família. No mesmo período, os investimentos em mobilidade urbana, segundo o economista Cláudio Frischtak, foram de R$ 32,6 bilhões.
As manifestações de junho de 2013, que deram origem aos protestos da população contra o governo, tinham entre seus focos a deficiência crescente da infraestrutura de transporte urbano. Não pode passar pela cabeça de ninguém que, na solidão de Brasília, nenhum assessor tenha deixado de perceber que a população não engolirá novamente tamanha insensatez. E, no entanto, não ocorreu até agora nenhum desmentido da equipe econômica sobre a existência de uma PEC da CPMF em gestação.
Finalmente, há uma terceira alternativa: tudo isso é parte do processo de fritura do ministro Joaquim Levy promovido pelo PT e por todos os descontentes com o ajuste econômico. Se assim for, a coisa está ainda pior do que se poderia imaginar.
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