O ajuste indolor
Governo terá problemas ao cortar os gastos públicos para controlar a inflação
A senhora presidente revelou na última quinta feira que pretende no próximo mandato "fazer o dever de casa" para o país voltar a crescer. Na prática, o dever de casa consiste, no dizer da presidente, em cortes nos gastos públicos e maior controle sobre a inflação.
O fim é bom e desejado por todos. A questão são os meios. Como a senhora presidente ajustará as contas públicas é o cerne da questão.Especialistas em finanças públicas apontam que a margem de manobra para cortes nas despesas é pequena. A parcela maior das despesas é obrigatória por lei, algumas por determinação constitucional, outras por leis infraconstitucionais.
O número dessas despesas obrigatórias é enorme. Inclui os gastos com benefícios previdenciários; com salários e encargos dos servidores públicos; o pagamento dos juros e encargos da dívida pública federal; os gastos com educação e saúde; aqueles com o programa Bolsa Família, a Assistência Social, as transferências constitucionais, os pagamentos de precatórios judiciais e o custeio do Legislativo e do Judiciário.
O fato é que somente 9% do total dos gastos de custeio do governo federal, que no acumulado do ano até outubro atingiram R$ 616 bilhões, são potencialmente passíveis de cortes, do que resultaria uma economia máxima de somente R$ 57 bilhões.
Esse último total equivale a meros 1,1% do PIB. Como nem tudo pode ser cortado, o mais provável é que o governo poderia reduzir, no máximo, as despesas de custeio entre 0,2% e 0,3% do PIB, segundo as contas do economista Mansueto de Almeida. Em reais, essa economia seria equivalente a algo entre R$ 10 e R$ 15 bilhões.
Não é fácil promover ajustes fiscais. Como bem lembrou o economista Marcos Lisboa, o maior ajuste já realizado nas contas públicas desde o Plano Real, ocorrido nos anos de 1999 e 2003, foi equivalente a somente 0,5% do PIB. Em valores atuais, esse ajuste correspondeu a R$ 25 bilhões.
A meta de superávit primário estabelecida em lei para 2015 é de 2,5% do PIB. Para atingi-la será necessário um ajuste cinco vezes maior que o obtido em 1999 e 2003, isto é, de R$ 150 bilhões. Um ajuste dessa magnitude não pode ser realizado em um único ano nem pode prescindir de aumentos de tributos.
A senhora presidente pretende fazer um ajuste fiscal sem provocar desemprego. Em princípio, isso é possível. O ajuste deve ter por objetivo reduzir a demanda, não a oferta. Mas são raros os casos em que isso é possível. Muitas vezes o peso do ajuste recai mais sobre alguns setores que outros, acabando por afetar o emprego.
Além disso, é difícil imaginar como será possível atingir o astronômico valor do superávit primário correspondente a 2,5% do PIB levando-se em conta que a senhora presidente descartou como "lorota" a extinção de ministérios (e suas despesas).
Quanto ao maior controle da inflação, há somente um caminho: uma alta na taxa básica de juros, a despeito de a senhora presidente não se manifestar sobre juros. O aumento da Selic se transmite por todo o sistema financeiro e redunda na redução da demanda por crédito. É por essa via que opera um segundo corte na demanda e se reduz a pressão inflacionária.
As pressões inflacionárias serão maiores no primeiro trimestre de 2015 em consequência do processo de correção dos preços dos combustíveis e da energia elétrica, já em curso. A esses reajustes soma-se o aumento legal do salário mínimo, de 8,8% a partir de primeiro de Janeiro.
Contribuirão para manter elevada a inflação, no primeiro trimestre, não somente os reajustes pequenos e sucessivos dos derivados de petróleo como os efeitos de todos os reajustes ao longo da cadeia produtiva da economia. O aumento dos combustíveis, por exemplo, atingirá progressivamente toda a cadeia de transportes, levando o impulso original do aumento do aumento do preço nas refinarias a todo o país.
A senhora presidente afirmou que pretende preservar dos cortes os investimentos do governo federal. Sem eles, especialmente os voltados para a infraestrutura, não é possível imaginar como o crescimento poderá ser retomado. Preservados os investimentos, todo o peso do ajuste fiscal precisará se dar sobre as despesas correntes, cujo espaço para cortes é limitado.
Se a senhora presidente quer fazer um ajuste indolor, não é suficiente fazer mais do mesmo. Talvez retomar o caminho do primeiro governo do presidente Lula seja uma alternativa palatável para sua base de sustentação. Esse retorno implica em abandonar o “novo modelo econômico”, cujos resultados já são de todos conhecidos.