Leitor Escreve
A grave crise fiscal e o crescimento da dívida interna e externa não permitem a manutenção da postura otimista por parte de um economista
Leitor escreve e pergunta por que sou tão pessimista com os rumos da economia. Afinal, projeções pessimistas são um acessório de todos os economistas e, ao fim ao cabo, o país continua aí, firme e forte.
Peço vênia, leitor, para discordar. Tenho-me em conta de um realista, que resiste a acompanhar os colegas de profissão, realmente pessimistas com o rumo que vai tomando nossa economia. Mas opiniões são opiniões, e gostaria que o prezado leitor levasse em conta os seguintes dados, todos oficiais de nosso governo. Para isso, infelizmente, terei que sobrecarregar o texto com números, que espero que releve.
"A relação PIB/dívida pública no Brasil só é menor que a da Grécia"
Comecemos pelo desequilíbrio fiscal. De janeiro a setembro desse ano, as contas públicas apresentam um déficit acumulado de R$ 15,3 bilhões. Os juros sobre a dívida pública ascendem a R$ 209,1 bilhões, e o déficit nominal – total das despesas menos o total das despesas, a medida do déficit realmente relevante – é da ordem de R$ 224,4 bilhões.
"A relação dívida/PIB no Brasil só é menor que a da Grécia"
Observe, leitor, que, com base nos dados dos últimos 12 meses, o pagamento dos juros da dívida correspondeu a 5,5% do PIB, e que o déficit nominal foi da ordem de 4,9%. Esses percentuais são importantes indicadores da capacidade de solvência do governo central e não são números pequenos. A relação dívida/PIB brasileira só é menor que as suas correspondentes da Grécia e do Líbano – o primeiro ainda atravessando as consequências da crise financeira internacional, e o segundo penalizado pelos custos da guerra em seu território.
Além disso, essa despesa com juros equivale a cinco vezes as despesas com investimentos do governo central. E esse pagamento corresponde à tomada de recursos no mercado ao custo da taxa Selic – hoje de 11,25% – para transferência às instituições oficiais de crédito. Esses recursos são transferidos sob a forma de empréstimos, a um custo atrelado à taxa TJLP, hoje da ordem de 5% ao ano.
Quanto ao déficit nominal de 4,9% do PIB, ele é o maior percentual alcançado pelas contas públicas desde 2009, no auge da crise financeira internacional. É um percentual muito alto que, embora não caracterize uma situação de insolvência, nos condena a uma situação de baixo crescimento; em que a taxa Selic provavelmente aumentará nas próximas duas reuniões em pelo menos 0,5 pontos percentual; em que os subsídios ao crédito e as desonerações de tributos se transformarão em aumento da dívida pública; e em que a despesa, em um cenário de crescimento muito baixo em 2015 e 2016, aumentará mais que o crescimento do PIB – exigindo financiamento por aumento da carga tributária ou maior endividamento, ou expansão monetária. Nenhuma dessas opções é agradável.
As consequências do quadro fiscal já se traduziram em forte crescimento da dívida pública. O seu total em 31/12/2013 era da ordem de R$ 2.748 bilhões. No acumulado do ano até setembro, a dívida subiu para R$ 3.132,1 bilhões – um crescimento de R$ 384,1 bilhões em apenas nove meses do ano. Só no mês de setembro o aumento foi de R$ 97,4 bilhões.
Não somente aumentou a dívida interna. Outro reflexo do excesso de gastos foi a expansão da dívida externa. Em 31/12/2013, ela era de US$ 482,8 bilhões. Agora em setembro, o seu valor aumentou para US$ 541,4 bilhões – a bagatela de US$ 58,6 bilhões.
Esse aumento originou-se do déficit em transações correntes de nosso balanço de pagamentos – decorrente, por seu turno, de um déficit na balança comercial, acrescido do pagamento líquido de serviços ao exterior e da remessa de juros, lucros, royalties e outros pagamentos de rendas.
Qual a consequência de tudo isso? Não deverá surpreender ninguém se viermos a perder o grau de investimento, tão comemorado durante a gestão do presidente Lula. Poderá não ocorrer de imediato, já que as agências de classificação de risco esperam que decorra um período considerável de tempo antes de alterar sua nota de risco para cada país. Mas as chances de que ocorra são maiores hoje que no início do ano.
Não se trata de perda de uma vaidade, mas de consequências concretas. A maior parte dos fundos de investimento estrangeiros requer que o país recebedor dos recursos tenha grau de investimento. Perdê-lo poderá acarretar a saída de parte dos recursos atualmente investidos no país. Para complicar o quadro, a Petrobras poderá ter sua classificação de risco rebaixada em curto prazo – o que não deixaria de ter efeitos sobre o risco país.
Veja, leitor, na coluna anterior não mencionei nenhum desses dados. Não achas que diante deles, eu poderia ser classificado de otimista?