Lei de Gerson
Tal como ontem, a mania brasileira de querer levar vantagem continua vivíssima
A primeira eleição que Mário Covas disputou deu o que falar não só no campo jurídico mas, sobretudo, na área política: foi a de prefeito de Santos, por volta de 1960, quando foi derrotado pelo também engenheiro Luíz La Scalla Júnior. O desfecho da eleição foi parar na esfera da justiça, após um grave acidente de carro em que o candidato vencedor acabou morrendo, antes de tomar posse na Prefeitura.
A equipe de Covas entendia que, com a morte do prefeito eleito, quem deveria tomar posse na Prefeitura era o segundo colocado na eleição, o próprio Mário Covas.
Para defender essa causa perdida, Fausto Gomes, cunhado de Covas e um grande estrategista político na Baixada Santista, contratou um advogado que começava a brilhar na lides jurídicas, Saulo Ramos, que mais tarde viria a ser Ministro da Justiça no governo do presidente José Sarney.
A derrota não tirou o gosto de Covas pela política e, em 1962, ele veio a se eleger deputado federal para o exercício do primeiro mandato, pelo antigo PTN -Partido Trabalhista Nacional.
Covas foi deputado federal, senador e governador, mas alimentava outros dois sonhos: ser presidente da República, mas viu sua oportunidade ser traída em 1998 pelo "golpe" da reeleição de Fernando Henrique Cardoso; seu segundo desejo era ainda ser prefeito da cidade em que nasceu, Santos. Não teve tempo para tanto.
O que aconteceu há mais de 50 anos, em Santos, serve para discussão agora, uma vez que o PSDB tenta cassar o mandato da presidente Dilma Rousseff, aproveitando denúncias de que o PT teria usado dinheiro ilegal na campanha de 2014.
Além de apostar no impeachment da presidente, os tucanos tentam convencer os ministros do TSE a impedir a posse do vice Michel Temer, que também teria sido beneficiado pelo uso de doações de campanhas sujas.
Caso Dilma seja cassada e Temer impedido de assumir o posto, o PSDB vai brigar para que o senador Aécio Neves assuma a presidência, com o argumento de que foi o segundo colocado na eleição.Existe jurisprudência no episódio?
Ocorre que é conhecido um caso semelhante no Brasil, registrado no Maranhão: o governador eleito não pôde tomar posse por uma decisão da justiça eleitoral e quem acabou assumindo o governo maranhense foi a candidata segunda colocada na eleição, Roseana Sarney. Também nesse caso, formou-se jurisprudência? Os dois episódios se enquadram perfeitamente na Lei de Gerson.
Com a intempestiva decisão do presidente da Câmara, Eduardo Campos, de romper com o governo, o destino do mandato da presidente Dilma continua incerto.
Campos esperava ser acompanhado na decisão de retaliar Dilma pelo seu partido, o PMDB, mas isso não aconteceu: Michel Temer, por exemplo, reuniu a mulher Marcela e o filho Michelzinho e foi para Nova York desanuviar a cabeça e Eduardo Campos ficou isolado na jogada previamente preparada.
Campos tomou essa iniciativa por ter sido acusado na Operação Lava-Jato de ter recebido 5 milhões de dólares de propina no escândalo da Petrobrás e, para desviar a atenção do público, acusou o governo de estar por traz da acusação do procurador Rodrigo Janot.
Seus companheiros de partido entenderam que Campos deseja pautar para votação os 11 projetos que pedem o impeachmente da presidente e criar mais duas CPIs por uma questão de vingança. Campos, por enquanto, ficou sòzinho.
Após a grande repercussão da iniciativa do presidente da Câmara, a situação no PSDB ainda não se alterou: os tucanos atendem à liderança de Aécio Neves e só devem votar favoravelmente ao afastamento de Dilma se também Michel Temer for impedido de substituí-la no cargo.
Aécio entende que se Temer assumir a presidência, fortalecerá bastante o PMDB e também o seu candidato ao Planalto em 2018. O PMDB já decidiu que terá candidato próprio a presidente na próxima eleição.
Um fato novo surge nos bastidores: o de que Temer indicaria -caso assuma o governo- o senador José Serra para o Ministério da Fazenda.
Serra daria um jeito na descontrolada política econômica, colocaria o País em ordem e seria um forte candidato a presidente em 2018, mas já filiado ao PMDB.
Teríamos, então, a reprise do filme de 1994, em que os protagonistas eram o presidente Itamar Franco e seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.
O presidente Itamar criou o Plano Real, debelou a inflação, e quem se beneficiou foi FHC, que se elegeu presidente da República a bordo das asas do Real. Em 2018, os atores seriam outros, mas o enredo do filme seria o mesmo: o presidente Michel Temer e seu ministro da Fazenda, José Serra.