Jogando para a plateia
A manutenção da Selic em 14,25% era esperada por unanimidade. O que pode ter causado surpresa para alguns foi o fato de o Banco Central ter jogado a toalha na luta contra a inflação
A inflação, medida por diversos índices, teima em permanecer em torno de 10% ao ano. A despeito disso, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) decidiu manter, por unanimidade, a taxa básica de juros (Selic) em 14,25% ao ano.
No mesmo comunicado, informou ao distinto público que somente pretende atingir o centro da meta de inflação (4,5%) em e não mais até o fim de 2016. Por “horizonte relevante” o mercado está entendendo que a meta mudou para 2017.
A manutenção da Selic em 14,25% era esperada por virtual unanimidade pelos agentes econômicos. O que pode ter causado surpresa para alguns foi o fato de o Banco Central ter jogado a toalha na luta contra a inflação. Como interpretar isso?
Uma primeira implicação, superficial, é de que o Banco Central não se sente à vontade para aumentar a taxa de juros no momento em que a recessão se aprofunda. O fim do ano está chegando e com ele o aumento das demissões. Essas, aliás, não estão esperando o calendário gregoriano. O processo está em curso, na indústria e no comércio. A insensatez dos bancários em greve em pedir um reajuste de 16% está ignorando o risco que cresce do desemprego entre seus filiados.
Portanto, como um horizonte nublado para o crescimento e para o emprego, é natural que o Copom se sinta desconfortável em aumentar a Selic. A grita seria muito grande e agravaria o apoio da população ao governo.
Embora tenha tudo para ser verdadeira, essa implicação é apenas parte da verdade. Há outras, que cumpre apontar. A primeira é a deterioração da relação entre a dívida pública e o PIB. A primeira está crescendo pelo efeito diabólico dos juros compostos, bem conhecido de todos que financiam o saldo de seus cartões de crédito.
Nada acontecendo – isto é, mesmo com as contas públicas equilibradas – a dívida continua a crescer pela aplicação dos juros pagos pelos títulos públicos, aplicados sobre o estoque da dívida e sobre os próprios juros.
Ocorre, primeiro, que as contas públicas estão longe de estar equilibradas. A última previsão do governo é de que o ano se encerrará com um rombo de R$ 76 bilhões.
Esse rombo irá requerer, por si só. A colocação de novos títulos da dívida pública no mercado, aumentando o endividamento. Segundo, que aumentar os juros acentuará o problema, já que a trajetória de aumento da dívida se daria em velocidade maior.
Para piorar o quadro, o PIB não está crescendo, mas encolhendo.
Com o PIB em queda, a relação entre a dívida e o PIB obviamente piora, o que dá novo argumento para manter onde está a taxa básica de juros.
A verdade nua e crua é que estamos em situação difícil para o exercício da política monetária e o controle da inflação. Como já apontei nesse espaço, estamos vivenciando uma situação de “dominância fiscal”, aquele estado de coisas em que não é possível aumentar os juros para refrear a inflação por correr-se o risco de aumentar a velocidade de crescimento da dívida pública.
O Banco Central está de mãos atadas para controlar a inflação, já que seu principal instrumento de controle é a taxa de juros.
Postergar a convergência da inflação para o centro da meta para um “horizonte relevante” significa simplesmente que o Banco Central está jogando para a plateia.
Não haverá horizonte relevante até que haja uma combinação de equilíbrio fiscal com algum crescimento da economia. O equilíbrio fiscal permitiria estancar o crescimento autônomo da dívida e a retomada do crescimento aumentaria a receita fiscal, reforçando o equilíbrio das contas públicas.
Mais do que nunca, portanto, chegou a hora dos cortes na despesa pública. O descontrole fiscal de 2014, corando um processo que já vinha dos anos anteriores, forçará agora cortes até nos programas sociais, justamente em que poderia haver uma justificativa mais sólida para eles.
A moral da decisão do Banco Central é simples: teremos, não mais um final de ano difícil, mas a inflação permanecerá elevada em 2016, o PIB cruzará o ano em queda, junto com a redução do emprego. Melhoraremos em 2017?