Discutindo com os números
A reeleição de Dilma foi uma típica vitória de Pirro, aquela que custa tão cara ao vencedor que este se verga e é esmagado pelo seu peso
Meu primo Luiz Gonzaga Belluzzo, em entrevista com Alexandre Machado na Rádio Cultura FM, num rasgo de sinceridade pouco frequente em homens públicos, soltou uma exclamação totalmente inesperada: "Ninguém sabe quem ganhou as eleições!"
Vinda de um simpatizante do PT esta estranheza merece atenção. Realmente, a vitória da presidente Dilma por míseros 51,64% contra os 48,36% de Aécio constitui a certeza matemática de que ela foi reeleita. Mas ser reeleita é uma coisa, ganhar a eleição é outra. Ninguém ganha nenhuma eleição com pouco mais de 3 milhões de votos sobre o adversário, um quase empate no olho mecânico.
A certeza matemática mede milimetricamente a distância entre o ganhador e o perdedor, mas quando esta distância é insignificante a vitória não significa glória nem imortalidade para o vencedor e sua coroa de louros já vem murcha.
A reeleição de Dilma foi uma típica vitória de Pirro, aquela que custa tão cara ao vencedor que este se verga e é esmagado pelo seu peso. Dilma recebeu a herança maldita que foi ela mesma quem criou, mas que não será capaz de reverter. Aquela tecnocrata, sem a menor pinta de estadista, foi tentada a mexer com forças para ela desconhecidas que se revoltaram contra ela e ameaçam devorá-la.
A "presidenta" virou uma aprendiz de feiticeira, das mais desastradas, colocando em perigo sua posição e a segurança do País. Está repetindo em grande escala, na política e na economia, a falta de jeito que exibiu em sua primeira campanha ao preparar na TV uma omelete que resultou num mofino mexidinho próprio a envergonhar qualquer auxiliar de cozinha. Foi um vexame.
"Reeleita com 51,6 %, Dilma propõe plebiscito para reforma política", rezava a manchete do Estadão de 27 de outubro. Em seu discurso de vitória ela já começa mal. A proposta do plebiscito, anunciada para neutralizar as manifestações de rua em 2013, não encontrou eco nos manifestantes e causou séria resistência no Congresso.
Desde os tempos da antiga Roma já se suspeitava que a ideia do plebiscito envolvia uma manobra do governo destinada a impor sua vontade ao povo dando a impressão de que era este último que mandava. Na proposta do plebiscito, para quem sabia ouvir, ressoava na surdina o ruído provocado pelas sandálias apressadas do ditador (na expressão de um fino observador).
Os governos autoritários gostam de propor o plebiscito como o disfarce do referendo, que é o voto popular destinado a aprovar uma decisão previamente tomada pelo Estado, sem participação do povo.
Em suma, sob aparência legal, o assim chamado plebiscito não passa, por vezes, de uma fraude: quem manda de fato sou eu, mas dando a impressão de que é você.
Dilma não engana ninguém. A senhora Rousseff tem vocação para ser outra imperatriz Catarina, a grande, da Rússia. Note-se que ela ostenta aquele penteado alto como se fosse uma coroa imperial. E tem sempre ao lado aquele fiel escudeiro, Michel Temer, sorridente, aguardando a hora de substituí-la no trono.
O resumo da história é este: Dilma ganhou, mas não levou, porque sua herança é pesada demais; Aécio, pelo contrário, não ganhou mas já está levando. A campanha eleitoral projetou sua imagem para todo o País e o exterior. Ele, quase um desconhecido, foi ungido de repente como o líder legítimo da oposição.
Daqui para a frente terá que tomar atitudes cada vez mais lúcidas e mais firmes, como demonstrou ser capaz de fazer ao enfrentar a candidata oficial. Só não ganhou a disputa porque foi traído pelo seu Estado natal. Minas demonstrou mais uma vez, com sua duplicidade, ser ao mesmo tempo a solução e o problema. Um acidente de percurso que deu em perfeito desastre. Uma pedra no caminho que impediu sua passagem na hora mais crítica da viagem.
Aécio, que primeiro só convencia, começou a entusiasmar, com sua capacidade de confronto direto, sua dialética aguçada e sua retórica calorosa e elegante. Passou a exibir a combatividade que consagrou em Roma aquele general com pinta de estadista, Flávio Aécio (386-454 d.C.), que rechaçou a horda dos bárbaros que se preparava para invadir e destruir Roma, os hunos, sob o comando de Átila, o irresistível depredador.
Aécio, com fama de exímio articulador, conseguiu a aliança dos visigodos e burgúndios, povos germânicos já romanizados, e todos juntos puseram em fuga os terríveis invasores asiáticos. Por sua conduta heróica já no crepúsculo do império, à beira da trágica decadência, Flávio Aécio mereceu o título de "o último dos romanos".
Aécio Neves tem a missão histórica de expulsar os novos bárbaros agarrados de unhas e dentes ao poder, que não cedem a ninguém mais, chefiados por aquele Átila barbudo com a boca cheia de impropérios e palavrões que fariam corar o Átila das estepes.