De costas para o mundo
No mundo real, empresas e países buscam a produção de bens em que são altamente competitivos e dispensam a artificialidade de barreiras que criam reservas de mercado
Não causou a repercussão que merecia a notícia de que oitenta países membros concluíram no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC) negociações para a liberalização do comércio internacional de produtos de tecnologia da informação (TI).
Originalmente assinado por 29 países membros da Organização Conferência Ministerial da OMC em Singapura em dezembro de 1996, o acordo recebeu posteriormente a adesão de outros 51 países, responsáveis por 97% do comércio desse tipo de produtos.
Os países signatários se comprometeram a eliminar totalmente os impostos de importação incidentes sobre produtos de TI. O próximo passo consiste na aprovação da lista de produtos cobertos pela negociação e detalhes práticos da implementação do acordo.
O objetivo é dispor-se de um acordo final ratificado por todos os signatários até a 10ª Conferência Ministerial da OMC programada para Nairóbi, no Quênia, em dezembro próximo.
Referindo-se ao acordado, o diretor geral da OMC, Roberto Azevêdo, afirmou que se trata de um grande acordo e que o volume de comércio coberto pelo acordo é comparável ao valor anual do comércio global combinado de minério de ferro, aço, têxteis e confecções.
Ao dar esse passo, os membros da OMC darão um impulso à economia global e acentuarão o papel da OMC como fórum global de negociações comerciais.
Nem todos os países membros da OMC participaram do acordo. São ausências notáveis os países membros dos BRICS – Brasil, China, Índia e África do Sul – e alguns países desenvolvidos, como os Estados Unidos, que não participaram do acordo.
Independentemente disso, todos os países membros se beneficiarão da eliminação das tarifas incidentes sobre a importação desses bens pelo princípio da “nação mais favorecida”, não importando onde os bens de TI sejam produzidos.
O acordo cobre somente tarifas. Não trata de barreiras não tarifárias à importação de produtos de TI. Essas barreiras muitas vezes são instrumentos mais poderosos que as próprias tarifas aduaneiras para restringir o comércio, dentre as quais desde regimes especiais de compras governamentais até a pura e simples proibição de importações.
A importância desse acordo não pode ser minimizada: trata-se do primeiro acordo de eliminação de tarifas aduaneiras de cunho global firmado nos últimos 18 anos. No entanto, demos escassa atenção ao assunto.
Também demos pouca atenção aos resultados de um amplo estudo realizado pelo Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ e intitulado “A estrutura recente de proteção nominal e efetiva no Brasil”.
Os resultados do trabalho confirmam informações já obtidas em estudos anteriores sobre o tema. Em 2014, o grau de proteção efetiva média da economia brasileira era de 26,3%.
A proteção efetiva é uma medida do efeito total de uma estrutura dos impostos de importação sobre o valor adicionado nacional por unidade produção em cada indústria levando-se em conta que tanto produtos finais como produtos intermediários são importados.
Se a definição parece abstrata, considere-se o seguinte: automóveis são tributados na importação, mas suas partes e componentes não o são. A empresa monta esses componentes, sobre os quais não incidiu o imposto de importação, e se beneficia da proteção a todo o produto acabado.
O estudo mostra que, para automóveis, camionetas e utilitários, a taxa de proteção efetiva superior a 127% em 2014. Para caminhões e ônibus é ainda mais elevada, da ordem de 132%. A título de comparação, no caso da agricultura a proteção é de menos de 4%.
Que consequências essa estrutura de proteção acarreta para a economia e os consumidores? Primeiro, que setores que não desfrutam de altas taxas de proteção precisam ser muito eficientes para enfrentar a concorrência de produtos similares importados – como é o caso do agronegócio brasileiro.
Segundo, que há incentivos para que investimentos privados procurem setores protegidos da concorrência externa, transferindo para os compradores de seus produtos os ônus da proteção.
Embora pareçam distantes, os dois temas estão interligados. Estamos de costas para o mundo real, onde as empresas e os países procuram se especializar na produção de bens em que são altamente competitivos – dispensando a artificialidade de barreiras tarifárias e não tarifárias que criam reservas de mercado para seus produtos.
É mais que oportuna uma discussão de toda a nossa política econômica nessa área. Afinal, se estamos fazendo um penoso ajuste fiscal, de natureza conjuntural, é de todo desejável que ele seja seguido por outro ajuste, de natureza estrutural, de forma a permitir que depois do ajuste venha o crescimento sustentado.