Cuba e o futuro
Cuba registrava bons indicadores econômicos e sociais antes da Revolução de 1959; o país agora ingressa num árduo caminho para se reconstruir do socialismo autoritário
Ocorrido o reatamento de relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba, importa agora especular sobre o futuro. Em nosso tempo, o futuro significa o retorno à democracia. Formas autoritárias de escolha dos governantes e sua indefinida permanência no poder – em Cuba, nos últimos 53 anos – são incompatíveis com os valores ocidentais.
Os determinantes desse futuro calcam-se no passado da nação e de fatores atuais, como a permanência do embargo americano e falta de liberdade no país. O embargo, “El bloqueo”, como é chamado em Cuba, vige desde 19 de outubro de 1960 e mostrou-se ineficaz para mudar o regime no país.
Contudo, a mera suspensão do embargo não assegurará a imediata melhoria do padrão de vida dos cubanos nem garantirá a retomada imediata do desenvolvimento. O passado deixa marcas, que só o tempo permite remover.
Nos anos da década de 1950 anteriores a 1959, Cuba não era nem o paraíso tão decantado por muitos dos refugiados em Miami, nem o “bordel do hemisfério ocidental” e um país de miseráveis.
Esses seriam dependentes das esmolas dos turistas americanos em seus hotéis, praias e cassinos, como alguns dos revolucionários vencedores descreviam o passado do país.
Ao contrário, pelos indicadores econômicos usuais, Cuba na primeira metade do século 20 tinha a quinta mais alta renda per capita do hemisfério e era o terceiro em expectativa de vida.
Cerca de 76% de seus habitantes eram alfabetizados, o quarto na América Latina. Cuba era também o décimo primeiro do mundo pelo número de médicos per capita. Por esses indicadores, o padrão de vida médio dos cubanos era então superior aos da Espanha, Portugal e Grécia.
Nem tudo eram flores, naturalmente. As diferenças entre os meios urbano e rural eram abissais, o mesmo se dando entre brancos e negros. A produção de cana era sazonal, o que deixava um exército de cortadores desempregados dois terços do ano.
As praias e os clubes privados eram segregados, como nos Estados Unidos de então. Conta-se que o presidente Fulgêncio Batista, que era mulato, não foi aceito em um desses clubes.
Os primeiros anos após a independência, em 1902, foram marcados por violência e corrupção generalizadas. Com base na Emenda Platt, os Estados Unidos ocuparam Cuba entre 1906 e 1909. Outras intervenções ocorreram nos anos seguintes.
Os eventos dos anos mais recentes são conhecidos. Caiu o ditador Fulgêncio Batista em 1959, seguiu-se a expropriação da propriedade privada e o rompimento de relações com os EUA e o embargo americano.
Perdido o mercado para o seu açúcar, Cuba volta-se para a então União Soviética em busca de apoio e parceira comercial.
O planejamento econômico é introduzido, e Moscou subsidia Cuba, rolando dívidas vencidas, criando novas linhas de crédito, pagando preços superiores ao do mercado pelo açúcar cubano e provendo assistência militar.
A lua de mel termina com o colapso do comunismo soviético em 1989, deixando Cuba órfã no cenário internacional – 85% do seu comércio internacional perdem-se nessa travessia.
Com o fim da mesada soviética, entre 1990 e 1993 o PIB cubano perdeu 35%, e a década foi qualificada por Castro como “o período especial em um tempo de paz” – eufemismo para designar a enorme perda de padrão de vida da população.
O transporte entrou em colapso por falta de combustíveis, blackouts tornaram-se frequentes (ainda hoje, 99,3% da energia cubana provém de fontes térmicas) e a alimentação tornou-se escassa. O mercado negro, como em tempos de guerra, tornou-se generalizado.
A transição para a democracia será dura e terá que ultrapassar seus principais obstáculos: os beneficiários da revolução de 1959 e as consequências de 53 anos de capitalismo estatal.
Poderá ocorrer lá o mesmo que aconteceu na Alemanha com a reunificação e a dificuldade dos cidadãos do Leste do país em ajustar-se às condições do mercado hoje.
Seus indicadores sociais e econômicos permanecem superiores aos da maioria dos países latino-americanos, mas é preciso não esquecer que partiram de níveis pré-existentes muito elevados.
Na economia, Cuba tem sua dívida externa de mais de US$ 10 bilhões em moratória e o país é incapaz de tomar empréstimos no mercado internacional.
Em seu discurso anunciando pelo lado cubano o reatamento das relações com os EUA, o presidente Raúl Castro enfatizou a “convivência com as diferenças” – referindo-se à profunda distinção entre o regime de seu país e a democracia americana.
O que se deseja é que essas diferenças desapareçam o mais rapidamente possível, para que Cuba retorne à convivência das nações do hemisfério como um país livre e democrático, condições para a prosperidade de seu povo.