Crônica de um calote anunciado
Qualquer que seja seu resultado, o referendo de domingo indicará uma escolha ruim (recessão ou saída do euro)
Como já disse alguém, o espetáculo grego desceu do alto drama para a baixa farsa, com o conturbado país fazendo um pedido insolente para novos empréstimos, mesmo depois de anunciar um referendo sobre os termos de um empréstimo diferente, já rejeitado, e que terá expirado no momento da votação.
A grande questão agora é saber como votarão os gregos no referendo do próximo domingo sobre o programa econômico da zona do euro. As opções são simples, o que falta é clareza a respeito do que cada uma delas representará no futuro.
É claro que, ficasse a Grécia bem fora da zona do euro, o voto óbvio seria contra o programa de ajuste proposto pela Troika. Por outro lado, quer se vote a favor ou contra, o que garante que a zona do euro manterá sua oferta original depois da rejeição grega?
De qualquer forma, um voto a favor do programa de ajuste implicaria não se sabe quantos anos de recessão, para não usar a palavra forte, depressão. Que governo se sustentaria prometendo a seu povo uma geração vivendo sob forte depressão econômica?
E, é claro também, há os otimistas que julgam ser possível escapar da armadilha do sim ou não: ajuste depressivo ou uma Grécia independente da União Europeia e da zona do euro.
Contudo, como pôr em prática essa terceira via? Não há nada no programa do partido no poder que nos ajude a perceber como seria ela.
Talvez a terceira via consistiria em permanecer na zona do euro – continuar a usar a moeda comum como moeda nacional – e ao mesmo tempo ter o governo inadimplente com os credores. Parodiando o saudoso Garrincha, já teriam os gregos combinado com os outros membros da zona do euro essa aberração?
Quer queiramos ou não, o partido Syriza elegeu-se prometendo o paraíso. Essa promessa foi feita sem que o partido possuísse um plano articulado de reformas que pudessem pelo menos sinalizar aos credores que haveria uma luz no fim do túnel, ainda que em futuro longínquo. Visto em retrospecto, tratou-se de uma bravata populista que, a exemplo de tantas outras, não se sustenta no longo prazo.
A atitude da zona do euro complementa perfeitamente a demagogia grega. Porque qualquer observador medianamente informado saberia que as exigências do programa de ajuste, no mínimo, provocariam o mesmo caldo de cultura que deu origem ao nazismo na década de 1930.
Como se recorda, os aliados vencedores impuseram à Alemanha derrotada e a seus aliados um programa de reparações que ia além da capacidade desses países em atendê-las.
Quando o desespero bateu, a incipiente democracia alemã da república de Weimar foi substituída por um regime intolerante, belicoso e sequioso de vingança pelas humilhações recebidas.
É claro que não se está aqui imaginando que algo similar possa ocorrer na Grécia – embora os partidos de direita sejam ativos e provavelmente preencheriam o vazio de poder quando a atual coligação fosse deslocada do poder. Porque não se pode ter ilusões de que o partido Syriza continuasse no poder para impor o programa de austeridade demandado pela zona do euro.
Por tudo isso, é inútil a demanda por mais tempo e por mais recursos para continuar mantendo a Grécia acima da linha d’água da insolvência.
Faria sentido obter dos credores mais prazo e mais recursos se o saldo primário requerido para impedir um crescimento explosivo da dívida grega não superior a 3,5% do PIB e, ao mesmo tempo, implicasse uma queda do mesmo PIB da ordem de 10% nos próximos três anos.
Teria sido mais sensato se os países da zona do euro tivessem percebido que a Grécia somente poderá cumprir com quaisquer tipos de obrigação se retomar o crescimento e, como ele, a receita tributária. Sem essa retomada, não há como gerar o saldo primário capaz de dar sustentabilidade a longo prazo à relação dívida/PIB grega.
Que consequências podemos esperar do referendo de domingo? Uma vitória do sim em favor do programa de ajuste trará resultados conhecidos e indesejados: depressão e desemprego, por um prazo difícil de avaliar.
Uma vitória do não iria requerer que o governo grego retirasse o país da zona do euro e passasse a emitir uma nova moeda em substituição ao euro.
Isso é tecnicamente possível, mas com grandes perdas para todos os detentores de euros: certamente a nova moeda já começaria muito depreciada em relação ao poder de compra atual do euro.
Haveria uma perda de capital generalizada para toda a população – da qual seriam excluídos somente aqueles cidadãos precavidos que transferiram para o exterior seus euros.
Qualquer das duas alternativas é ruim. Domingo saberemos qual delas o povo grego escolheu.