Choro por ti, Venezuela
Venezuelanos têm hoje um dólar no paralelo tão elevado quanto ao da União Soviética, na véspera de sua implosão
Quando estive em Moscou, em outubro de 1989, um dólar ao câmbio oficial comprava 85 kopecks – 85 centavos de rublo. No mercado paralelo, no entanto, um dólar comprava 17 rublos, ou seja, o dólar valia no mercado paralelo 20 vezes o que valia no câmbio oficial. Não deveria surpreender ninguém que, pouco depois, em 26 de dezembro de 1981, o regime comunista desmoronaria e a União Soviética se dissolveria.
Talvez o mesmo esteja a caminho de ocorrer em nossa vizinha Venezuela, se não ocorrerem profundas mudanças na política econômica do país. Um simples dado mostra a severidade da situação econômica venezuelana.
Em 1º de janeiro de 2012, um dólar valia 9,46 bolívares flertes no mercado paralelo de Caracas. Em 26 de novembro último, a moeda norte-americana foi cotada em 132,30 bolívares. Em menos de dois anos, a moeda local desvalorizou-se treze vezes no mercado paralelo, onde a cotação do dólar é livre.
Visto por outro caminho, dado que o câmbio oficial é de uma taxa fixa de câmbio de 6,30 bolívares por dólar para importações consideradas essenciais, a cotação no mercado paralelo equivale a 21 vezes o valor da moeda no mercado oficial.
Nenhum país com uma economia sã tem uma diferença entre as duas taxas da ordem de 21 vezes. Por esse indicador, a Venezuela está hoje em uma situação semelhante à da antiga União Soviética dois anos de seu desmoronamento.
Alguns atribuem essa diferença ao peso das exportações petrolíferas do país. Elas correspondem a 95% do total exportado. Mas outros países também têm uma participação elevada das exportações de petróleo, sem que isso implique tamanha distorção do mercado de divisas.
Em Angola, por exemplo, a participação dessas exportações é similar à da Venezuela, sem que isso implique um diferencial tão grande entre o valor do Kwanza no mercado oficial e o seu correspondente valor no mercado paralelo.
Um enorme diferencial no câmbio tem sérias consequências para qualquer economia. Em primeiro lugar, a manutenção de um dólar oficial artificialmente barato para a importação de bens essenciais, como alimentos, é usada na Venezuela como um instrumento para mascarar a inflação.
De fato, corresponde a um subsídio ao consumo desses bens, desestimulando a sua produção interna e deixando o país vulnerável diante de choques de oferta em outros países e a altas de preços no mercado internacional.
Em segundo lugar, incentiva a corrupção: quem tiver acesso a dólares através do mercado oficial pode arbitrar as duas cotações e ganhar dinheiro sem esforço.
Talvez para minimizar esse efeito, o governo de Nicolas Maduro introduziu outras duas bandas para o câmbio venezuelano. A primeira, denominada de sicad 1, o dólar está cotado a 11,30 bolívares; na banda sicad 2, a cotação é de 49,90 bolívares.
Como as quantidades de dólares ofertadas pelo governo ao mercado são pequenas, o problema da arbitragem permanece. Quem comprar dólares a 11,30 bolívares e revende-los por 132,30, tem um lucro de 1.000%, sem qualquer risco.
Em terceiro lugar, um sistema de taxas múltiplas de câmbio – como já praticamos aqui na década de 1950 – causa grandes distorções na economia. A mais simples distorção se refere à dificuldade para as empresas de calcular suas receitas e despesas e seus ativos e passivos em dólares.
O problema não se limita a avaliar o desempenho das empresas em moeda forte, mas também em moeda local. Em agosto, a inflação anualizada ultrapassou a casa dos 63% e continua acelerando.
A despeito da moeda valorizada na importação de alimentos e outros bens essenciais, o consumidor venezuelano vem sendo duramente punido pela inflação. Controles de preços e do câmbio não levam a bons resultados, como aprendemos com nossa própria experiência.
Na Venezuela, esses controles estão gerando escassez de bens, que se tornaram rotina – como ocorria na extinta União Soviética. Estimativas independentes afirmam de a demanda insatisfeita dos consumidores atinge 35% do total ofertado.
Para complicar mais o quadro, os subsídios ao consumo de derivados de petróleo são os mais altos do mundo. A gasolina é vendida no país por cinco centavos de dólar por galão, comparado com mais de seis dólares por galão no Brasil.
Os efeitos sobre a estatal petrolífera local são similares ao que se dá com a Petrobras, especialmente o relacionado com perdas para o acionista e com a incapacidade de investir da PDVESA para explorar as imensas reservas petrolíferas.
Diante desse quadro, e da marcha dos acontecimentos, resta apenas aos venezuelanos chorar pelo seu país.