Cartas dos leitores
A preocupação com os rumos da economia predomina, refletindo a insegurança com o emprego e com a renda da família
Não foram cartas propriamente, mas e-mails. Não importa, o que vale é o conteúdo das mensagens. Sem exceção, elas retratam a perplexidade e o desconforto com a situação em que vivemos. A preocupação com os rumos da economia predomina, refletindo a insegurança com o emprego e com a renda da família.
Uma delas foca na retomada do crescimento. Leitora, acompanhando o noticiário dos jornais, pergunta se a enorme desvalorização do real não teria um efeito positivo e grande sobre as exportações de produtos industriais. Se verdadeiro, gostaria de certificar-se se esse efeito não seria suficiente para garantir a retomada da economia como um todo.
Lamento desapontá-la, leitora. A decisão de um empresário de exportar depende de muitos fatores, um dos quais, evidentemente, é a taxa de câmbio. Essa é um componente importante na determinação da rentabilidade da atividade exportadora; quanto mais desvalorizado o câmbio, maior o valor em reais de cada dólar obtido na exportação.
O problema é que ao mirar o câmbio, apreendemos apenas um dos determinantes da rentabilidade da atividade exportadora. A contrapartida da receita é a despesa. Infelizmente, os custos internos continuam subindo, contrabalançando, pelo menos em parte, os ganhos potenciais da desvalorização cambial.
Os salários continuam subindo, na medida em que o salário mínimo continua indexado à inflação passada e serve de piso para toda a estrutura de salários da economia. Outros custos importantes, como o da energia elétrica e dos derivados de petróleo foram corrigidos esse ano, depois da fraude eleitoreira de seus semicongelamentos.
A atividade industrial não existe sem energia elétrica e os transportes não rodam sem combustíveis. Portanto, do ponto de vista da rentabilidade, o ganho é menor do que parece quando se leva em conta somente a desvalorização do câmbio.
Há também a questão da perda de mercados, decorrente do longo período de sobrevalorização cambial. Retomá-los é tarefa árdua que tomará tempo. A tudo isso somam-se as incertezas, tanto do rumo da economia interna como da retomada de muitos dos mercados para nossas exportações.
A maior delas é a assinatura da Parceira Trans-Pacífico (TTP, na sigla em inglês). Vários de nossos vizinhos, clientes tradicionais de nossa indústria estão a caminho de introduzir novos marcos regulatórios que excluirão o Brasil, ao longo do tempo, desses mercados.
Mais uma trapalhada dos governos dos últimos 12 anos ao se negar a uma discussão construtiva e soberana com os Estados Unidos, líder da TTP.
Leitor pergunta o que significa “dominância fiscal”. Tem lido sobre isso nos jornais e não encontra dicionarizada a expressão. Trata-se, leitor, de jargão da profissão dos economistas. Como qualquer profissão, os economistas criam expressões para designar determinados fenômenos na economia.
No caso em questão, trata-se de algo simples. É a situação em que um país se encontra quando o tamanho do déficit e da dívida públicos é tal que a política monetária se torna completamente ineficaz para combater a inflação.
Isso ocorre porque o instrumento da política monetária é a taxa de juros; para combater um processo inflacionário em aceleração é preciso aumentá-la, o que acarreta o aumento do déficit e a necessidade de financiá-lo pela emissão de dívida pública.
Ainda não estamos nessa situação, mas a persistir o aumento continuado da dívida pública podemos chegar a ela. Se isso viesse a ocorrer, não haveria como combater a inflação e voltaríamos à estaca zero, pré-Plano Real.
Tem sido sugerido que se deveria abandonar o regime de metas de inflação e voltar a um sistema de bandas cambiais, de forma a “ancorar” as expectativas de inflação ao câmbio. O problema com essa “solução” é que já a tentamos no passado, sem sucesso. Nada indica que algo que não funcionou no passado tenha agora melhor chance.
O que de fato tem chance de sucesso é reduzir o déficit fiscal. Para isso é preciso coragem. Não basta cortar despesas correntes; e a sociedade não tolera mais aumentos de impostos. Resta, portanto, a coragem cívica de rever o conceito de despesas obrigatórias.
Esse é o debate que falta, obscurecido pelo embate em torno do impeachment da senhora presidente. Quanto mais demorarmos em iniciá-lo, mais crescerão o problema e as consequências sociais da inação.