Até quando?
São Paulo é uma cidade "naturalmente" problemática. Mas a situação se agrava com ciclofaixas pouco planejadas ou manifestações de minorias irrelevantes que interrompem o trânsito
Os cidadãos paulistanos enfrentam diariamente grandes dificuldades para o exercício de suas atividades ou para o lazer devido as deficiências estruturais da cidade ou a situações conjunturais. Sem dúvida, um dos maiores problemas do dia a dia é o da mobilidade urbana, o qual vem se agravando neste ano em função da crise da água e da energia, do calor e das chuvas torrenciais.
O trânsito, caótico por natureza, vem se complicando com a adoção indiscriminada de “faixas” para ônibus e ciclistas, realizadas sem qualquer debate, planejamento, transparência ou informação prévia, como se a questão fosse ser resolvida pelo voluntarismo da autoridade.
Andar no ônibus ou no metrô nesses dias de extremo calor, quando maioria dos veículos ou trens não dispõem de ar condicionado, representa um castigo adicional aos que enfrentam com a superlotação, a morosidade ou a quase paralização no trânsito.
Quando chove, quem precisa andar pela região central se depara com calçadas esburacadas que obrigam a enfiar o pé na água, pois não tem outra alternativa, enquanto noutras regiões os buracos ou as enchentes colocam em risco os veículos e, muitas vezes, seus passageiros. Se não chove, corremos o risco de ficar sem energia; quando chove, ficamos sem energia em muitas regiões, com grande número de faróis apagados, agravando a situação.
Alguns desses problemas são complexos e de difícil solução, demandando tempo e recursos, enquanto o do calor deve ser resolvido pela natureza com o término do verão. Quanto à falta de chuva, como disse o ministro, vamos rogar a Deus para que ela venha com intensidade, mesmo com os problemas que causa para a população.
Não bastasse, contudo, esse quadro de dificuldades a que a população paulistana está submetida, a situação vem se agravando devido à atuação deliberada de alguns grupos que realizam manifestações em vias cruciais para fluidez do tráfego, em dias e horários que mais podem prejudicar o trânsito, como ocorreu na sexta feira última.
Muitas vezes, pequenos grupos, com menos de 50 pessoas, conseguem paralisar o trânsito da Rua Boa Vista, escolhida como “protestômetro” devido à presença da Secretaria da Habitação nesse local, contando com a cobertura da CET e da Polícia Militar para fechar a via para passagem de veículos por algumas horas, como se isso fosse absolutamente irrelevante.
Não se questiona o direito a manifestações, embora muitas delas tenham claramente objetivos no mínimo discutíveis, mas não se pode aceitar que o direito à circulação da população seja violentado com tanta frequência e inconsequência. O que se precisa não é cercear o direito de se manifestar de forma pacífica, mas, mesmo que não ocorra violência, são necessárias regras, com a definição de locais e horários para sua realização, que minimizem o impacto sobre a população.
Quanto aquelas que descambam para a violência é um problema de polícia e de justiça, e qualquer omissão em relação à ação dos vândalos conduz ao que o sociólogo Ralf Dahendorf caracteriza como “estado de anomia”, quando a lei é sistematicamente desrespeitada sem que ocorra punição e, adverte ele, conduz ao aumento da violência.
Os custos econômico e social dessas paralizações deliberadas do trânsito são muito elevados, com a perda de vendas para o comércio, de produção para a indústria e de prejuízos para os serviços, inclusive para aquelas pessoas que trabalham por conta própria, devido ao tempo perdido de trabalho, ao que se deve acrescentar os gastos de combustíveis, o aumento da poluição, e o desgaste físico e psicológico dos cidadãos que precisam se deslocar.
Até quando essa situação vai continuar? Será que o direito de circulação da população em geral vai continuar sendo desconsiderado, e apenas o dos manifestantes vai continuar a ser respeitado, ou é possível, e preciso, conciliar o direito de todos, assegurando uma convivência harmônica que torne um pouco menos difícil a vida nesta grande metrópole?
Marcel Domingos Solimeo é economista, mora há 60 anos em São Paulo e trabalha há 51 na região central