As pedras no caminho
O ajuste fiscal está mais complicado que se imaginava, em razão das resistências do PMDB e da má vontade do PT
Na semana passada escrevi nesse espaço que via como factível alcançar-se o superávit primário almejado pelo ministro Joaquim Levy, de 1,2% do PIB em 2015. O pressuposto era de que as medidas contariam com o necessário suporte legislativo.
Essa expectativa tinha sua razão de ser na consistência do plano de ajuste formulado pelo ministro Joaquim Levy. O total do ajuste superaria R$ 110 bilhões a serem plenamente implementados a partir do primeiro trimestre desse ano.
Do corte de gastos que consta da programação financeira do primeiro trimestre de 2015 resultaria em poupar R$ 57,5 bilhões; os recursos poupados com a redução de despesas obrigatórias nas rubricas de seguro-desemprego, pensão por morte e abono salarial permitiriam cortar outros R$ 18 bilhões; o aumento de tributos – Cide, IOF, PIS-Cofins sobre produtos importados e IPI de cosméticos, outros 20,6 bilhões; o aumento da contribuição previdenciária sobre o faturamento das empresas beneficiadas, objeto da recente querela entre o Executivo e o Senado, mais R$ 5,35 bilhões; a redução do repasse para o CDE, R$ 7,8 bilhões; e a redução do subsídio do Reintegra, R$ 5,4 bilhões.
Quando escrevi que julgava factível atingir a meta, estava ciente das dificuldades a encontrar pelo caminho. A maior das dificuldades residia no fato de que o PIB de 2014 foi muito menor que se esperava. De fato, especula-se se não terá tido um "crescimento" negativo. Com o denominador da relação superávit/PIB menor, o numerador terá que ser maior do que o anteriormente calculado.
A essa questão aritmética soma-se outra, de mais difícil superação: a oposição política ao programa de ajuste. Que o PT se opusesse, não surpreende ninguém, mesmo que essa oposição seja somente verbal, um jogo para a plateia.
O que não se esperava era o estado de ebulição a que chegaram as relações entre a presidente e o PMDB. Certo ou errado, a percepção, tanto do presidente do Senado como do presidente da Câmara dos Deputados, é de que o Executivo criou um fato político com o objetivo de desviar a atenção do escândalo da Petrobras para a lista de parlamentares.
Qualquer que seja o desfecho desse mais novo imbróglio, já se pode ter por certo que uma das principais pernas do ajuste não produzirá efeitos durante boa parte do ano – se é que virá a produzir resultados ainda esse ano.
Trata-se justamente da revogação do subsídio implícito às empresas beneficiadas pela mudança da base de cálculo da contribuição previdenciária da folha de pagamento para o faturamento.
Como estava previsto, o Executivo enviaria medida provisória revogando o benefício – como foi feito. O envio da medida provisória produziria resultados imediatos, caso fosse aceita pelo legislativo.
A devolução da medida provisória e sua substituição por projeto de lei não tem esse efeito. Mais que isso, está sujeito à tramitação e, por ter sido enviado em regime de urgência, trava a pauta legislativa – impedindo que outras medidas do pacote de ajuste possam ser apreciadas pelo Legislativo.
É de observar-se que o ganho que se esperava com a recepção da medida provisória e sua conversão em lei (pouco mais R$ 5 bilhões) é um dos itens de menor impacto no total do programa de ajuste. Outros itens, como a elevação das alíquotas de tributos ou as mudanças sugeridas para as despesas obrigatórias, têm muito maior impacto.
O risco maior, evidentemente, é a rejeição completa do programa de ajuste. O PT, partido majoritário, é contra o ajuste, argumentando que o ano já será de parco crescimento do PIB e de grande crescimento do desemprego.
O PMDB, até aqui o principal parceiro do PT na base de sustentação do governo, rebela-se por não ter sido ouvido nas decisões – e por não querer sozinho o ônus da impopularidade das medidas. Mais que isso, não foi ainda aquinhoado como deseja com os cargos de segundo escalão, até aqui guardados a sete chaves na Presidência da República.
Com quem contará o governo para levar adiante o ajuste? Obviamente não será com a oposição, qual papel não é, por definição, de apoiar o governo. Claramente, se quiser ir adiante com o programa de ajustamento, compete ao Executivo retomar o diálogo em bases amigáveis com o PMDB e com os demais partidos que o apoiam. Não será fácil, mas a palavra impossível não é usada na política.
Esse diálogo deve ocorrer imediatamente, a menos que o governo queira transmitir à sociedade a sensação de que se perdeu a governabilidade. Isso é algo que não interessa a ninguém, já que as consequências dessa percepção seriam desastrosas para todos.