As indesejáveis mudanças na meta fiscal
Há uma disputa pública entre os ministérios do Planejamento e da Fazenda; Barbosa defende uma fórmula que já não deu certo no passado e em outros países
Às vezes sou levado a concluir que Gabriel Garcia Márquez, o grande escritor colombiano e Prêmio Nobel de literatura, tinha em mente, não a sua Colômbia natal, mas o Brasil.
Explico. A Garcia Márquez é atribuída a criação de um gênero literário, o realismo fantástico latino-americano, especialmente no romance “Cem anos de solidão”. Nele há diversos eventos metafóricos, como a chuva incessante por quatro anos, onze meses e dois dias e muitas outras.
Essas metáforas servem na narrativa como alegorias para enfatizar que vivemos em um continente com características especiais, diferentes dos demais.
Tudo isso me veio à mente ao ler que ressurge a divergência na equipe econômica com relação à meta fiscal estabelecida para esse e os dois próximos anos.
Circula na praça proposta atribuída ao senhor ministro do Planejamento de substituir o valor numérico da meta por uma banda, um intervalo de variação, dentro do qual se situaria a meta.
Propõe ainda que seja alterada a meta para 2016. Há também, correndo em paralelo, proposta do senador Romero Jucá (PMDB-RR) de reduzir a meta já revista de 1,1 pontos percentuais do PIB para o valor de 0,4% do PIB.
Como seria de se esperar, o ministro Joaquim Levy é contra alterar novamente a meta de superávit primário. Tem todos os motivos para isso: cabe a ele a responsabilidade de evitar um crescimento explosivo da dívida pública.
Se isso viesse a ocorrer voltaríamos ao passado, quando a explosão do endividamento gerou um não menos explosivo crescimento dos meios de pagamento. A hiperinflação que tivemos reflete esses fatos.
Se não queremos voltar ao tempo em que mais parecíamos uma república de bananas, não há como ignorar as consequências de continuarmos com a estratégia de política econômica praticada na primeira gestão da senhora presidente.
Essa política econômica, a “nova matriz econômica”, é a responsável pela recessão que atravessamos, pela alta da inflação e pelo desemprego que ronda agora um grande número de famílias.
A própria senhora presidente, louve-se, reconheceu implicitamente os erros cometidos ao escolher Joaquim Levy para comandar o ministério da Fazenda e apoiá-lo a pôr em prática as duras medidas do ajuste fiscal – que lhe estão saindo caro pelas medidas da queda de sua popularidade entre os eleitores.
A discussão entre os ministros Levy e Barbosa vai além do que se comenta ser “uma batalha pelo coração do governo”. Revela percepções distintas com relação a um tema central: qual o melhor caminho para atingir-se a meta fiscal e impedir um crescimento explosivo da dívida pública?
Para o ministro Barbosa, é imperioso estancar a trajetória recessiva da economia e fazer crescer o mais rapidamente possível o PIB.
Com isso seria possível aumentar a arrecadação tributária e mais facilmente produzir-se o saldo primário desejado, com o menor efeito colateral possível sobre o crescimento e o emprego.
Para o ministro Levy, essa estratégia foi justamente o que se tentou especialmente nos dois últimos anos da gestão anterior da senhora presidente.
Não deu certo. Não há como assegurar que algo que já deu errado tantas vezes no passado na economia brasileira – e nas economias de outros países – dará certo agora.
Mais que isso, na percepção do ministro a retomada do crescimento não depende somente de um aumento da demanda. Que ela persiste alta, a despeito da queda do PIB, atesta a persistência da inflação em níveis que superam os 8% ao ano.
Ainda mais, a retomada do crescimento requer que os agentes econômicos, especialmente os responsáveis pelos investimentos produtivos, voltem a ter confiança no desempenho da economia. Essa confiança está hoje em patamares muito baixos e, ao contrário dos que defendem uma redução do saldo primário para estimular a economia, somente manterá alta a inflação.
Por fim, o crescimento da dívida pública se dá por dois canais: o primeiro, a emissão de novos títulos necessários para financiar o excesso de despesas públicas correntes; outro, as emissões de novos títulos para pagar os juros que se acumulam e se agregam à dívida.
O saldo primário original, de 1,2% do PIB, já não era suficiente para estancar o crescimento acelerado da dívida pública. Com 0,4% do PIB, menos ainda. Flutuando dentro de uma banda, mesmo que o teto dela ultrapassasse os 3% do PIB, não resolveria o problema.
Confio que a senhora presidente esteja se dando conta das consequências que essas sugestões de mudar a meta fiscal trarão para seu governo. Afinal, a senhora presidente ainda tem pela frente mais de três anos de gestão.