Apagões sistêmicos
Ao lado da não satisfação da demanda por eletricidade, o governo é responsável por um "apagão ético" que acobertou seus erros de gestão na economia
Especialistas advertem que aumentou muito o risco de um apagão elétrico nesse verão. E apontam a principal causa: o atraso no investimento nas linhas de transmissão, talvez atribuindo ao baixo custo da energia pago pelos consumidores uma importância secundária.
O apagão que deixou onze estados sem energia essa semana é apenas um episódio do que poderá acontecer até que o calor amaine. Fato é que, aos preços correntes, o consumo está em patamar superior à capacidade de geração existente, mesmo considerando que as usinas termoelétricas operam continuamente.
O apagão ético é outro aspecto do apagão sistêmico que assola o país. Esse apagão não se restringe ao ocorrido, e ao que consta, continua ocorrendo na Petrobras. A própria empresa acaba de reconhecer o superfaturamento dos custos de construção da refinaria Abreu e Lima.
Tomamos conhecimento agora de que ele pode ter deitado raízes em muitas outras empresas estatais. O caso da Caixa Econômica Federal, descoberto pelo Tribunal de Contas da União é sintomático disso.
Para driblar as disposições da lei de licitações, a Caixa criou, em sociedade com a IBM Brasil, uma empresa paralela para a prestação de serviços de tecnologia de informática. Criada a sociedade, a Caixa contratou a nova empresa, pagando pelos serviços R$ 1,2 bilhão, sem que o contrato fosse submetido a concorrência pública.
Também indicador de um apagão ético foram as “pedaladas” fiscais postas em prática nos últimos quatro anos. Essa “contabilidade criativa” enganou a opinião pública a respeito dos reais resultados das contas do governo, ludibriando a boa-fé dos cidadãos e ferindo de morte a transparência necessária dos atos da gestão da coisa pública.
As diversas manobras tinham por objetivo criar um superávit fictício e mascarar a real situação fiscal. Dentre outros, o principal esquema consistiu em atrasar o ressarcimento a bancos federais de pagamentos com programas de natureza social do governo e pelo pagamento de subsídios em linhas de financiamento dessas instituições a setores privilegiados pelo governo.
O atraso compulsório dos ressarcimentos foi entendido pelo TCU como operações de crédito de instituições financeiras sob controle da União para custear despesas correntes, o que é expressamente vetado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Tudo isso, e muito mais que omito aqui para não cansar o leitor, caracteriza um problema maior, origem dos casos específicos apontados. Trata-se de um apagão cognitivo por parte daqueles responsáveis pela elaboração e condução da política econômica. Esse apagão cognitivo tem diversas vertentes. Limito-me a apontar algumas delas.
A primeira consiste no desconhecimento ou desprezo do papel dos preços em uma economia, seja ela de mercado ou socialista. Os preços livremente formados indicam aos consumidores a escassez relativa dos bens disponíveis no mercado e sugerem a eles escolher substitutos entre esses bens.
Do ponto de vista dos produtores, os preços sinalizam também a escassez relativa de bens e serviços e apontam oportunidades de investimento rentáveis. Uma alta permanente em alguns preços induz investimentos destinados a suprir a demanda faltante.
Congelamentos de preços impedem essa função social do sistema de preços livres. Aumentam a demanda pelos bens cujos preços estão congelados e restringem simultaneamente a expansão da oferta.
A introdução de um subsídio para contornar essa situação de escassez artificial provocada pelo congelamento de preços somente agrava o problema, já que incentiva o aumento da demanda. Lá adiante, quando a situação se tornar insustentável, o aumento de preços pegará de surpresa os consumidores e causará a natural revolta daqueles que acreditaram que os baixos preços eram permanentes.
O congelamento da taxa de câmbio provoca situação semelhante no setor externo da economia. As importações crescem mais do que seria o caso se a taxa flutuasse livremente – como aliás dispôs o modelo de tripé vigente até 2002. As exportações encolhem, já que não remuneram adequadamente o produtor.
O resultado está aí, para todos verem. Provavelmente tivemos um déficit na balança comercial, depois de um longo período de saldos positivos. O necessário reajuste do câmbio pegará agora de calças curtas aqueles que acreditaram que era possível indefinidamente postergar o ajuste cambial – de consumidores de produtos importados a tomadores de empréstimos em moeda estrangeira.
Essa lista do que compõe o apagão cognitivo poderia estender-se e cansar o leitor e o articulista. Agora, contrariamente a tudo que foi prometido na campanha eleitoral, a realidade chegou, e os necessários ajustes estão sendo realizados. Melhor assim. Melhor ainda teria sido que eles não fossem tão duros e necessários.