Acidentes de trânsito x redução de velocidade
A velocidade é apenas um dos fatores na imensa lista dos que provocam acidentes; só um estudo detalhado poderia ter levado a Prefeitura de São Paulo e intervir nas marginais
Os acidentes de trânsito e suas consequências - acarretando mortes e traumas físicos, além de graves prejuízos sociais, materiais e financeiros - constituem fator de preocupação em todos países. AOrganização das Nações Unidas, em 2009, através de resolução, institu o período 2011-2020 como a Década de Ação pela Segurança de Trânsito.
Inúmeras entidades privadas, públicas, ONGs, laboratórios e campos experimentais elaboram estudos e pesquisas sobre o assunto em todo o mundo, tentando criar projetos, dispositivos e técnicas que contribuam para reduzir e atenuar os efeitos devastadores, muitas vezes comparados ao de verdadeiras guerras.
A cidade de São Paulo, desde a criação da CET, vem desenvolvendo estudos e projetos para a redução de acidentes de trânsito, procurando baixar os índices de periculosidade no sistema viário, o que só pode ser plenamente realizado por meio de ações nas áreas de educação, engenharia e fiscalização.
Na década de 70, o governo britânico, por meio do Transport and Road Research Laboratory (Laboratório de Pesquisa sobre Transporte e Rodovias), desenvolveu estudos e implantou as primeiras lombadas em vias residenciais, no interior da Inglaterra, para reduzir velocidade e diminuir o número de acidentes em vias com características especificas.
Baseando-se nessas experiências, pouco tempo depois a CET executava o primeiro conjunto de lombadas, para testar seus efeitos em São Paulo. A via escolhida foi a rua das Begônias, na Cidade Jardim, em razão de suas condições geométricas - quantidade de curvas e rampas em zona residencial -, o que facilitava velocidades elevadas, com alta periculosidade.
O êxito nos resultados obtidos levou a experiência a se expandir para outras vias e, posteriormente, por meio de resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), regulamentado seu uso em todo o país.
Decorrido algum tempo, em 1997, com o mesmo objetivo, a CET adotava outro importante projeto ao instalar o primeiro radar fotográfico fixo para coibir abuso de velocidade. O local escolhido foi a avenida dos Bandeirantes, junto à saída para a avenida Jabaquara. Os excelentes índices atingidos estimularam a implantação destes equipamentos outros locais.
É indiscutível que determinadas vias residenciais, bem como polos geradores de travessia de pedestres, como hospitais, igrejas, escolas, centros comerciais e clubes esportivos, devem ter baixo limite de velocidade no seu entorno, propiciando mais segurança para pedestres e veículos.
Entretanto, em alguns casos, como por exemplo na avenida Interlagos, ocorreu um aumento de vítimas de acidentes após a redução do limite de velocidade, o que demonstra que a solução para estes problemas exige estudos detalhados e específicos para cada local, não havendo solução única que possa ser generalizada.
No caso especifico das marginais dos rios Pinheiros e Tietê, classificadas como vias de característica semi-expressa, elas extrapolam a função local, constituindo importantes artérias de caráter intermunicipal, ao facilitar a ligação entre os municípios da Região Metropolitana e servindo como chegada e saída para as estradas estaduais e federais, além de serem o principal acesso ao aeroporto internacional de Guarulhos e ao terminal Rodoviário do Tiete.
As velocidades de 90 km/h e 70 km/h são compatíveis com suas características geométricas, em praticamente toda a extensão.
O rebaixamento dos limites de velocidade como justificativa para redução de acidentes merece uma avaliação menos superficial e não pode ficar restrita apenas aos números. Há a necessidade da análise de como os acidentes ocorreram para que não se tirem conclusões equivocadas.
Os casos específicos com vítimas necessitam um trabalho cuidadoso e criterioso na busca de informações, envolvendo a consulta e interpretação dos boletins de ocorrência, para determinar as causas reais ou mais prováveis.
Convém ainda lembrar que é imprescindível avaliar outros fatores intervenientes, tais como o uso de drogas, álcool ou de determinados tipos de medicação pelo motorista, um mal súbito ou deficiência de visibilidade, conservação e sinalização das faixas de rolamento, estado de manutenção do veículo, desrespeito aos limites de velocidade, pista molhada, deficiência na iluminação, não uso de sinalização na mudança de faixa de rolamento, obstáculos na pista, uso de celular, etc.
Em razão da existência de todas estas variáveis, os estudos mundialmente disponíveis mostram não ser linear a curva que relaciona velocidade e acidentes de transito.
Com base nos dados disponibilizados pela CET no seu relatório Segurança Viária e Redução de Velocidades, de fevereiro de 2015, pode-se constatar que:
- 95% dos acidentes na capital ocorreram fora das marginais.
- O número de acidentes nas marginais é maior nos horários de pico da manhã e da tarde. Sabemos que nestes horários há uma grande redução de velocidade em razão dos congestionamentos. Isto fragiliza e torna inviável o argumento segundo o qual as velocidades até então regulamentadas sejam responsáveis por acidentes.
-Do total anual de acidentes com vítimas na marginal Pinheiros, 77% tiveram o envolvimento de motos, enquanto, na marginal Tietê a participação dos motociclistas foi de 65%. As motocicletas estão envolvidas na maioria dos acidentes fatais, que ocorreram nos períodos de pico diurno e noturno, quando a velocidade dos automóveis é reconhecidamente baixa.
Estas informações dizem respeito a 2013 e demostram que é muito baixa a de os acidentes nas marginais terem como causa a velocidade ali regulamentada probabilidade. Não há nenhuma menção sobre a realização da análise dos respectivos boletins de ocorrência para pesquisa da real causa dessas ocorrências.
Numa avaliação sobre o enfoque dos reflexos no cotidiano dos usuários, ocorreu aumento no tempo das viagens, penalizando a mobilidade de milhares de cidadãos que, na sua imensa maioria, vinham respeitando os limites de velocidade até então vigentes.
Tomando por base um trabalhador que se utiliza diariamente das marginais para seus deslocamentos casa-trabalho-casa, e considerando o acréscimo de apenas 6 minutos em suas viagens (3 minutos pela manhã e 3 minutos a tarde), haverá, ao final de um ano, a perda de 24 horas, ou seja, 3 dias de trabalho, que poderiam também ser melhor aproveitadas para seu lazer ou descanso.
Levando-se em consideração a média diária de veículos, verifica-se, por avaliação expedita, não serem desprezíveis os custos anuais desse acréscimo de tempo.
Segundo estimativas da prefeitura para o ano de 2012, o volume de veículos nas duas marginais era 800.000 ao dia, com uma redução pela metade nos finais de semana.
Usando critérios bastante conservadores, estabelecemos o valor de RS 1.120,00 como salário mensal do motorista, a taxa de um ocupante por veículo e três minutos o acréscimo no seu tempo diário de deslocamento.
O valor total das perdas derivadas do aumento no tempo de viagem chega a RS 84 milhões/ano, o que mostra serem significativos os custos atingidos.
No caso dos benefícios, eles praticamente são inexpressivos, visto que os números mostram ser improvável que a velocidade dos automóveis, dentro dos limites anteriormente regulamentados, tenha sido a causadora dos acidentes.
A inadequada penalização de todos usuários das marginais com o aumento do tempo de suas viagens, aliada a insuficiência na oferta de transporte público, vem agravar a já tão problemática mobilidade na nossa cidade, prejudicando, cada vez mais, a atratividade para novos empreendimentos e estimulando a saída dos aqui já existentes, com reflexos na geração e manutenção de empregos.
Ressalte-se a importância e a urgência na redução do número e na gravidade dos acidentes de trânsito que afligem toda a sociedade; entretanto, para seu combate efetivo, são necessários estudos técnicos fundamentados na pesquisa cientifica de dados e análise detalhada de suas causas.